Introdução

Um estudo sobre o confronto entre a liberdade de expressao e de informacao com o direito a honra e ao bom nome justi* ca-se pelas 21 condenacoes do Estado Portugues pelo TEDH1 por decisoes nacionais que insistem em coartar a liberdade de expressao dos seus cidadaos2. Em janeiro de 2017, o Tribunal da Relacao de Lisboa confundiu o TEDH como sendo uma instancia comunitaria e reputou a interpretacao da CEDH3 dada pela jurisprudencia do TEDH como sendo inconstitucional, por violacao do artigo 8.o, n.o 4 da CRP4, concluindo por isso que esta nao vincula os tribunais portugueses.

Destapando um pouco o veu, vivemos numa era em que os media sao pres- sionados pela vertiginosa sucessao de acontecimentos numa "aldeia global", tendo de noticiar todos os factos "ao minuto", sob pena de uma informacao perder a atualidade com que o publico tem direito a recebe-la. Com a internet hoje todos os cidadaos podem trocar informacoes entre si sem qualquer media- cao jornalistica, ampliando o risco da divulgacao de falsidades e de a* rmacoes injuriosas. Contudo, a liberdade de expressao como "oxigenio" da democracia, necessita de um amplo espaco para escrutinar os titulares do poder, seja politico, economico ou meramente social. Este quadro de maior liberdade tem por base a capacidade do leitor médio em entrar no debate publico e de adotar um espi- rito critico de modo a perceber que, parafraseando T?%@?%$B FB M&GB5, uma informacao e, em muitos casos, apenas uma opiniao (ou uma versao dos factos) e nao uma verdade absoluta.

Contudo, os tribunais portugueses, principalmente nas instancias inferiores, insistem em adotar uma postura mais paternalista, dando primazia ao direito a honra e ao bom nome dos titulares do poder, fruto de uma cultura (portuguesa e continental) forte do respeito e da civilidade.

Perante este panorama, urge sintetizar os criterios gerais de resolucao deste cotejo de direitos fundamentais, e, a * nal, perceber em que medida a jurispru- dencia sedimentada do Tribunal de Estrasburgo vincula (ou nao) os tribunais nacionais.

1. A liberdade de expressão e de informação

1.1. Âmbito objetivo e subjetivo

Para que se possa identi* car corretamente o problema da colisao dos direi- tos fundamentais aqui em estudo e ne cessario identi* car qual o grau de prote cao desses direitos quando isoladamente considerados e quais os bens juridicos por eles tutelados. Retomaremos a importancia desta tarefa quando nos deti- vermos sobre os limites imanentes destes direitos fundamentais.

Posto isto, a liberdade de expressao e de informacao, enquanto direito fun- damental, encontra-se consagrada no artigo 37.o, n.o 1 da CRP6, bem como no artigo 19.o da DUDH78. Com efeito, o artigo 37.o da CRP encerra dois feixes de direitos distintos9: a liberdade de expressao e a liberdade de informacao, munindo os seus titulares de uma situação jurídica complexa. Procuraremos, sumariamente distinguilos.

A liberdade de expressão comporta (i) o direito negativo a nao ser impedido de exprimir e divulgar o pensamento, ideias, opinioes, factos, conhecimentos, mensagens publicitarias, criacoes artisticas, de todo o tipo10 e por qualquer meio11, (ii) na sua dimensão positiva, uma pretensao de acesso aos meios de expressao e ainda (iii) uma pretensao de acesso, nos termos da lei, as estruturas de servico publico de radio e de televisao12.

Ja a liberdade de informação encerra (i) o "direito de informar", (ii) o "direito de se informar" e (iii) o "direito de ser informado"13. O primeiro desdobra -se num direito analogo ao direito negativo da liberdade de expressao, com a diferenca de que este tem por objeto "informacoes". Por sua vez, o "direito de se informar" verte-se num direito de busca de fontes de informacao e de recolha de informacao, ao passo que o "direito de ser informado" consiste no direito positivo de ser adequadamente informado pelos media e pelos poderes publicos14.

Estes direitos distinguem-se tambem pelo facto de a liberdade de expressao, ao contrario da liberdade de informacao, exigir sempre uma comunicacao ou outro meio de exteriorizacao por parte de um sujeito/entidade que detem um certo facto, opiniao ou outro tipo de informacao15. Mais adiante veremos que a distincao entre estes dois direitos nao passa pela diferenca entre ideias e factos/ informacoes, como alguma doutrina identi* ca16.

Em ambos os casos, e reconhecido o "direito ao silencio", enquanto direito negativo, i.e., o direito a nao comunicar pensamentos ou informacoes e o direito a nao ser informado, como corolario da liberdade negativa de pensamento17. Por forca do artigo 37.o, n.o 3 da CRP, proibe-se a censura o que consubstancia nao so um direito negativo, mas exige tambem do Estado uma atuacao positiva perante investidas de entidades privadas que, por forca do artigo 18.o, n.o 1 da CRP, estao vinculadas a respeitar este direito fundamental18.

O direito de resposta e de reti+ cação, consagrado no artigo 37.o, n.o 4 da CRP e concretizado no artigo 2.o, n.o 2, alineas c) e f) da Lei de Imprensa, mune os sujeitos visados por um certo facto ou opiniao que entendam ser inexato ou ofensivo de um direito potestativo19 para aduzirem contraditorio. Fundamental- mente, este direito tem duas funcoes tipicas20: (i) permite a defesa dos direitos de personalidade de quem se sinta afetado por uma determinada comunicacao e (ii) funciona como garante do pluralismo de ideias e da descoberta da verdade, "facultando ao público o acesso a pontos de vista contraditórios"21.

No tocante a sua titularidade (ou ambito subjetivo), tanto as pessoas sin- gulares como as pessoas coletivas podem produzir e exteriorizar ideias ou pensamentos22 e difundir informacoes, por forca do artigo 12.o, n.o da CRP. Enquanto direito universal este nao e apenas reconhecido aos cidadaos portu- gueses, mas tambem a estrangeiros e apatridas. Tao pouco se exige a maiori- dade, mas apenas um minimo de capacidade natural23.

De entre os varios direitos especiais ou quali* cacoes que a liberdade de expressao e de informacao assume24, atente-se na liberdade de imprensa25. Do artigo 38.o da CRP resulta que o acervo de direitos dos jornalistas e superior aos de um cidadao comum26. Contudo, o direito a informar dos jornalistas tem como contrapartida um dever de informar com verdade e objetividade27, como consequencia da "missao de servico publico"28 que lhes compete, conforme explanaremos em seguida.

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Footnotes

1 Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

2 Desde janeiro de 2005 até junho de 2017, Portugal foi condenado por 21 ocasiões em matéria de liberdade de expressão e de informação. No período compreendido entre 2005-2015, o número de condenações do estado português por violação da liberdade expressão equivalia sensivelmente a s vezes superior à média de condenações dos 28 Estados da União Europeia. Assim, v. Relatorio: Criminalizacao da Difamacao em Portugal de junho de 2015 do Instituto Internacional da Imprensa, disponivel em http://legaldb.freemedia.at/.

3 Convencao para a Protecao dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, vulgo,"Convencao Europeia dos Direitos do Homem".

4 Constituicao da Republica Portuguesa.

5 V. F$BYZ%[Z& T?%@?%$B FB M&GB, A Liberdade de Expressão em Tribunal, Fundacao Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2013, pg. 15.

6 Constituicao da Republica Portuguesa.

7 Declaracao Universal dos Direitos do Homem.

8 Atente-se tambem no artigo 10.o da CEDH e no artigo 19.o do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Politicos e no artigo 11.o da Carta de Direitos Fundamentais da Uniao Europeia. Na lei ordinaria, destaque-se, na vertente da liberdade de imprensa, o artigo 22.o, alinea a) da Lei da Imprensa (Lei n.o 2/99, de 13 de janeiro) e o Estatuto do Jornalista (Lei n.o 1/99, de 13 de janeiro).

9 V. J&[e F? M?_& A_?@BYF$%Y& in JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.a edicao, 2010, Coimbra Editora, pg. 852.

10 Proibese, portanto, o delito de opinião, ou seja, permitese a veiculacao de ideias anticonstitucionais.

11 Alem das tradicionais comunicacoes escritas ou verbais inclui-se ainda os demais tipos de "atividades simbolicas" (v. Ac. do TEDH, Women on waves c. Portugal, de 03.02.2009). Sobre o tema, v. JoYBGB[MBZkBF&, Liberdade de Expressão. Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, BFDUC,Coimbra Editora, 2002, pg. 430 (em nota) e ss. Na doutrina inglesa, sustenta-se que sao abrangidastodas as exteriorizacoes de factos, ideias, opinioes independentemente de estas visarem serem transmitidas a terceiros, englobando as exteriorizacoes escritas/orais em diários (v. E$%Z BB$?YFG, Freedom of Speech, Oxford University Press, 2nd ed., 2007, pg. 25). Como veremos, os bens juridicos tutelados pela liberdade de expressao, nomeadamente o desenvolvimento da personalidade, efetivam-se tambem pelas exteriorizacoes do pensamento dirigidas a propria pessoa que os profere. Ademais, qualquerdiario tem sempre a potencialidade de (pelo menos) vir a ser postumamente conhecido por terceiros.Admitimos, por isso, que podera ter sido esta a opcao tomada pelo legislador constituinte quando no artigo 37.o da CRP previu que o direito a liberdade de expressao comporta a possibilidade de "exprimir" (i.e., exteriorizar) e de "divulgar" (i.e., comunicar a terceiros) o seu pensamento.

12 V. J&[e F? M?_& A_?@BYF$%Y& in JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit., Tomo I, pg. 849.

13 V. J.J. G&"?[ CBY&G%_k&/V%GB_ M&$?%$B, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.a edicao revista, Coimbra Editora, 2007, pg. 573.

14 V. J.J. G&"?[ CBY&G%_k&/V%GB_ M&$?%$B, ob. cit., pg. 573.

15 Repescando o exemplo avancado por BB$?YFG, se um cidadao quiser intimar o Estado (ou ate um particular) a revelar uma informacao contra a sua vontade, esta pretensao mais facilmente caira sob a egide do direito a informacao do que da liberdade de expressao. Assim, v. E$%Z BB$?YFG, Freedom of Speech, cit., pg. 26.

16 V. ponto 1.3. do presente estudo.

17 V. C&[GB AYF$BF?, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma perspectiva jurídico-criminal,Coimbra Editora, 1996, p. 45; Jonatas Machado, Liberdade..., cit., pg. 428.

18 Circunstancia que e, alias, recorrentemente lembrada nos arestos do TEDH, nomeadamente, no Özgür Gündem c. Turquia, queixa n.o 23144/93 de 16.03.2000 e Appleby & outros c. Reino Unido,queixa n.o 44306/98, de 06.05.2003.

19 V. V%GB_ M&$?%$B, O direito de resposta na comunicação social, 1994, Coimbra Editora, pg. 16.

20 Sobre estas e outras funcoes do direito resposta, v. V%GB_ M&$?%$B, ob. cit., pg. 24-32 e 77 e ss.

21 V. Ac. Tribunal Central Administrativo Norte de 10.11.2005, proc. 00070/04.

22 V. JoYBGB[ MBZkBF&, Liberdade..., cit., pg. 398-404; G&"?[ CBY&G%_k&/V%GB_ M&$?%$B, ob. cit.,pg. 576. Em sentido contrario, v. J&[e F? M?_& A_?@BYF$%Y& in J&$~? M%$BYFB/R!% M?F?%$&[,ob. cit., Tomo I, pg. 849.

23 V. J&[e F? M?_& A_?@BYF$%Y& in JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit., Tomo I, pg. 849.

24 Sobre outros direitos especiais da liberdade de expressao, v. J&[e F? M?_& A_?@BYF$%Y& %Y JORGEMIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit., Tomo I, pg. 849-850.

25 V. N!Y& ? S&![B, "A liberdade de imprensa" in Sep. do vol. 26 do Supl. do BFDUC, 1984, pg.41 e ss e 132 e ss.

26 Mais desenvolvidamente, v. JoYBGB[ MBZkBF&, Liberdade..., cit., pg. 517 e ss (em especial 541 e ss) e 581 e ss.

27 V. JoYBGB[ MBZkBF&, Liberdade..., cit., pg. 589.

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