A Lei n.º 7/2018 foi publicada no passado dia 2 de março, e veio criar um regime jurídico de conversão de créditos não subordinados em capital social de sociedades comerciais, ou sob a forma comercial, sediadas em Portugal.

A nova lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, e tem o claro intuito de disponibilizar um mecanismo extrajudicial de conversão de créditos em capital social ("Conversão"), que permitirá, por um lado, às sociedades que se encontrem em situação financeira difícil, mas que sejam economicamente viáveis1, reforçar os seus capitais próprios e, por outro lado, a determinados credores – não subordinados – converter os seus créditos (dificilmente recuperáveis) sobre essas sociedades em capital social.

I. O (LIMITADO) ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO NOVO REGIME DE CONVERSÃO DE CRÉDITOS EM CAPITAL

O legislador começa por limitar a aplicação deste novo regime "aos créditos detidos sobre uma sociedade comercial ou sob a forma comercial com sede em Portugal".

Da delimitação positiva feita pelo nosso legislador resulta que o regime agora criado apenas se aplica (i) a créditos detidos sobre uma sociedade comercial ou sob a forma comercial, excluindo, como tal, sociedades civis ou pessoas coletivas de diferente natureza, e (ii) desde que a respetiva sede se localize em território português, excluindo, assim, todas as sociedades comerciais constituídas ao abrigo de outras jurisdições.

Ao invés, ficam expressamente excluídos deste novo regime de Conversão:

(i) Os créditos detidos sobre empresas de seguros, instituições de crédito, sociedades financeiras, empresas de investimento, sociedades abertas e entidades integradas no setor público empresarial, na aceção do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, na redação introduzida pelas Leis n.ºs 75- A/2014, de 30 de setembro, e 42/2016, de 28 de dezembro;

(ii) Os créditos detidos por entidades públicas, com exceção das entidades integradas no setor público empresarial, as quais para efeitos do recurso a este novo mecanismo de conversão deverão obter a autorização prévia do membro do governo responsável pela área das finanças e observar as regras e princípios aplicáveis ao setor público empresarial; e

(iii) Os créditos sobre sociedades cujo volume de negócios seja inferior a EUR 1.000.000,00 (um milhão de euros), de acordo com as últimas contas de exercício aprovadas.

II. O PROCEDIMENTO DE CONVERSÃO

(i) A iniciativa da Conversão – a proposta dos credores sociais

Nos termos da lei que agora entrou em vigor, o legislador atribuiu aos credores a iniciativa do processo de Conversão, vedando – pelo menos de forma direta -, às sociedades devedoras a iniciativa de proporem aos credores a conversão dos seus créditos em capital social.

(ii) Os requisitos da Conversão – a delimitação indireta do âmbito subjetivo da nova lei

A possibilidade de requerer a Conversão não é indiferenciadamente conferida a todos os credores sociais, mas apenas àqueles que, por si só, ou conjuntamente com outros credores, sejam titulares de créditos sobre a sociedade devedora que representem, pelo menos, (i) dois terços do total do passivo dessa sociedade2 e (ii) a maioria dos créditos não subordinados.

Para além dos dois requisitos acima referidos, relacionados com a representatividade dos créditos detidos pelos credores proponentes no passivo global da sociedade devedora, deverão ainda estar reunidos, cumulativamente, os seguintes pressupostos:

(i) O capital próprio da sociedade devedora, tal como resulta das últimas contas de exercício aprovadas ou, no caso de existirem, das contas intercalares elaboradas pelo órgão de administração e aprovadas há menos de 3 meses, seja inferior ao respetivo capital social; e

(ii) Se encontrem em mora, superior a 90 dias, créditos não subordinados sobre a sociedade de valor superior a 10% do total dos créditos não subordinados, ou, caso estejam em causa prestações de reembolso parcial de capital ou juros, desde que estes respeitem a créditos não subordinados de valor superior a 25% total de créditos não subordinados.

De acordo com o novo diploma, a natureza subordinada, comum, ou graduada dos créditos detidos sobre as sociedades deverá ser aferida à luz do disposto nos artigos 47.º e 48.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas ("CIRE"). Assim, fica vedada a possibilidade de Conversão (i) dos créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor3, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva aquisição, (ii) dos juros de créditos não subordinados, com exceção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respetivos, (iii) dos créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes, (iv) dos créditos que tenham por objeto prestações do devedor a título gratuito, (v) dos juros de créditos subordinados, e (vi) dos créditos ao reembolso de suprimentos (desde que, em qualquer um dos casos, não beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais).

É claro o propósito do legislador: se, por um lado, pretende permitir-se aos credores a conversão extrajudicial dos seus créditos sobre sociedades que, apesar de endividadas, têm um volume de negócios aceitável e fundadas expectativas de recuperação financeira, por outro lado, limita-se o leque de ocasiões em que a satisfação desses créditos pode ocorrer por via da Conversão às situações em que este mecanismo permitirá, simultaneamente, limpar de forma significativa o balanço das sociedades devedoras, reduzindo proporcionalmente o seu grau de endividamento.

(iii) Os elementos da proposta de conversão

A proposta de Conversão ("Proposta") apresentada pelos credores deverá ser acompanhada pelos seguintes elementos:

(i) Relatório elaborado por revisor oficial de contas ("ROC") que demonstre o estado de descapitalização da sociedade e a mora, superior a 90 dias, dos créditos potencialmente convertíveis;

(ii) Documento que contenha as propostas de alteração do capital social da sociedade4, que deverá:

(a) Conter a descrição do conteúdo concreto da operação societária planeada;

(b) No caso de a conversão ser precedida por uma redução de capital para cobertura de prejuízos5, prever a redução do capital social e a sua respetiva justificação (que deverá ser aferida no relatório do ROC mencionado no ponto (i) supra);

(c) Prever o montante do aumento do capital social a subscrever pelos credores proponentes, mediante a Conversão, bem como a fundamentação do rácio de conversão de crédito em capital; e

(d) Conter o projeto de alteração dos estatutos da sociedade.

Igualmente inovadora e demonstrativa da importância agora atribuída aos credores na vida das sociedades comerciais, é a possibilidade de a Proposta prever a transformação da sociedade devedora noutro tipo social distinto e, inclusivamente, a exclusão de todos os seus sócios - que poderá, em certos casos, não ser voluntária -, desde que as respetivas participações sejam destituídas de valor.

(iv) As obrigações de informação do órgão de administração da sociedade devedora no âmbito da Proposta

De forma a possibilitar aos credores a reunião dos elementos necessários ao exercício do direito de apresentação da Proposta que agora se lhes atribui, o legislador consagrou o dever de o órgão de administração da sociedade devedora prestar a informação por estes solicitada para o efeito, no prazo de 10 (dez) dias após a receção do respetivo pedido.

Caso a informação solicitada não seja facultada pelo órgão de administração da sociedade, o ROC responsável pela elaboração do relatório de avaliação da situação financeira e contabilística da sociedade deverá (i) aferir a verificação da antiguidade dos créditos potencialmente convertíveis (mora de pelo menos 90 dias), e a representatividade desses créditos em função da informação que lhe seja facultada pelos proponentes e, bem assim, (ii) analisar a proporção entre os montantes em mora e o passivo da sociedade devedora, em face das últimas contas aprovadas pela sociedade.

(v) A fase deliberativa, os direitos dos sócios e o capital social após a conversão

Uma vez recebida a Proposta, a assembleia geral da sociedade devedora deverá ser imediatamente convocada, devendo reunir no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data de receção da Proposta, com vista à sua aprovação ou rejeição. Nesse hiato temporal, a sociedade poderá acordar com os Credores quaisquer alterações à Proposta, devendo tais alterações, contudo, ser disponibilizadas para análise dos sócios com a antecedência mínima legal ou estatutariamente prevista para a convocação das assembleias gerais.

Na deliberação de aumento de capital necessária à aprovação da Proposta, os sócios da sociedade gozarão sempre de direito de preferência. Sendo exercido esse direito de preferência (por todos ou apenas por alguns sócios6), o aumento de capital será necessariamente realizado em dinheiro, e obrigatoriamente aplicado na amortização dos créditos que, de acordo com a Proposta, seriam convertidos em capital.

Caso seja aprovada a proposta de Conversão, o capital próprio da sociedade após o inerente aumento de capital terá de ser superior ao valor capital social à data da Proposta.

III. AS CONSEQUÊNCIAS DA NÃO APROVAÇÃO DA PROPOSTA DE CONVERSÃO E A POTENCIAL FASE DE CONTENCIOSO

Caso a Proposta venha a ser recusada, quer por via da não realização da assembleia geral da sociedade, quer por via da não aprovação ou execução das deliberações nela previstas no prazo de 90 dias a contar da receção da Proposta, os credores proponentes poderão requerer ao tribunal competente para o processo de insolvência o suprimento judicial da deliberação da alteração social.

O processo de suprimento judicial da deliberação terá natureza urgente (não se suspendendo os respetivos prazos em férias judiciais), e a sentença homologatória que venha a ser proferida no seu âmbito constituirá título suficiente para a redução de capital, aumento de capital, modificação dos estatutos, transformação e exclusão de sócios da sociedade devedora, bem como para a realização dos respetivos registos comerciais.

Footnote

1 Viabilidade essa que deverá ser aferida através do (questionável) critério do volume de negócios.

2 Excluindo-se expressamente, para efeitos da determinação do passivo da sociedade, os créditos detidos por entidades públicas, salvo se integradas no setor público empresarial.

3 Nos termos do artigo 49.º, n.º 2 do CIRE, consideram-se "pessoas especialmente relacionadas com o devedor pessoa coletiva" (i) os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; (ii) as pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; (iii) os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores; (iv) os cônjuges, ex-cônjuges divorciados há menos de 2 anos, unidos de facto, ascendentes, descendentes ou irmãos das mencionadas nas alíneas anteriores.

4 Ao qual se aplicará o disposto no artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais, relativamente à verificação das entradas em espécie.

5 De notar que, ao abrigo desta nova lei, o aumento de capital resultante da conversão de créditos poderá ser precedido de uma redução de capital com a (exclusiva) finalidade de cobertura de prejuízos, incluindo para zero ou para montante inferior ao mínimo legal permitido para o tipo societário em questão, caso seja de presumir que, em liquidação integral do património da sociedade, não subsistiria qualquer remanescente a distribuir pelos sócios.

6 No caso de algum sócio não exercer o seu direito de preferência, será concedida aos sócios preferentes a oportunidade de subscrever a parte do aumento de capital que caberia aos sócios não preferentes, na proporção das respetivas participações.

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