Em recente julgamento1 relatado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, o Superior Tribunal de Justiça ("STJ") condenou um hospital ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00, em favor de familiar da paciente, em decorrência do seu falecimento causado por traumatismo craniano. A paciente sofreu uma queda de escada em sua própria residência, um dia depois da última consulta médica realizada no referido hospital. A decisão por condenar o hospital já havia sido proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo sido chancelada pelo STJ.

No caso concreto, o STJ concluiu que não se podia afirmar com certeza que o acidente sofrido ocorreu em razão das tonturas que a paciente vinha sentindo, e que justamente a levaram a buscar ajuda médica. No entanto, ainda assim era possível estabelecer o nexo causal entre a conduta negligente dos médicos que dispensaram a paciente mesmo após reiteradas queixas - em consultas diferentes e sem a realização dos exames básicos - e "a chance perdida de um diagnóstico correto e todas as consequências normais que dele poderiam resultar, sendo desnecessário que esse nexo se estabeleça diretamente com o resultado morte".

O acórdão tece importantes considerações sobre a chamada teoria da perda de uma chance de cura ou de sobrevivência, ressaltando que, em casos de erro médico, o que se perde é a chance da cura, causada pela falha em não garantir todas as possibilidades para a sobrevivência do paciente, e não a certeza da continuidade da vida em si. É evidente que não se espera que a conduta médica seja a causa da doença ou da morte do paciente, mas ela pode retirar do doente a possibilidade de vir a ser tratado e/ou curado. Ou seja, na visão do STJ, a possibilidade de cura é considerada um bem jurídico autônomo, passível de ser indenizado, ainda que a cura seja incerta.

A decisão proferida pelo STJ pode ser considerada uma nova visão sobre o tema, que usualmente era analisado sob a ótica da teoria do dano direto e imediato. Segundo essa teoria, só se reconhece o nexo causal quando o dano é efeito direto e imediato de uma conduta (ação ou omissão), que é determinante à produção do evento danoso, ou que interfere diretamente no seu resultado. Sob essa ótica, o hospital poderia ser responsabilizado por eventual falha na prestação dos serviços médicos, mas não pela ocorrência do evento morte ou pela privação da possibilidade de cura em decorrência da morte precoce da paciente.

No entanto, conforme indicado pelo próprio STJ, a jurisprudência vem recepcionando a teoria da perda de uma chance, que é resultado de uma criação originalmente doutrinária. Essa teoria tutela uma nova espécie de dano, diferente da sua tradicional concepção, que não é facilmente perceptível e ou mensurável. A perda de uma chance nada mais é do que o próprio nome sugere: a possibilidade de reparação pela perda da oportunidade de conquistar algo, ou evitar algum prejuízo. Ou seja, a indenização não está condicionada à certeza de um resultado, mas sim à mera possibilidade de se obter tal resultado.

Críticos da teoria alegam que não é possível reparar aquilo que nunca aconteceu e que não pode ser objeto de certeza. Isso porque, seguindo a doutrina clássica, os tribunais devem exigir prova inequívoca de que, não fosse a conduta do agente, a vítima teria atingido o resultado pretendido. Por isso, seria impensável tutelar um dano eventual ou hipotético. Já os defensores da teoria apontam que a chance perdida a ser reparada é apenas aquela pautada por uma probabilidade real de obter determinado resultado ou evitar algum dano.

Fato é que, apesar das discussões doutrinárias, os tribunais já vêm aplicando a teoria da perda de uma chance em diversos contextos de responsabilização civil, inclusive nos casos mais sensíveis, como os de dano por erro médico. Diversas têm sido as decisões, inclusive do STJ, concedendo indenizações às vítimas ou seus familiares em casos em que se concluiu que a atuação negligente dos médicos retirou do paciente uma chance concreta de obter a cura ou, no mínimo, uma melhoria no seu quadro de saúde.

Footnotes

1 STJ, REsp n. 1.677.083/SP, DJE 20/11/2017.

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