Do ponto de vista jurídico trabalhista, existe uma lacuna para tratar o movimento dos caminhoneiros que há seis dias bloqueia estradas e causou desabastecimento em todo o país, avaliam especialistas. Do lado dos trabalhadores, ele não configura uma greve como prevista em lei. Tampouco seria um locaute (do inglês lockout) — prática proibida no país —, quando os empregadores paralisam atividades para frear pleitos coletivos dos funcionários. A ação, acreditam advogados, pode ter sido articulada com o apoio de grandes empresas e entidades do setor, considerando a falta de reação das companhias diretamente afetadas. O formato de mobilização, contudo, dificulta apontar e punir responsáveis.

— Em âmbito legal, trata-se do direito de protesto das partes, caminhoneiros e transportadores. Não existe reivindicação trabalhista latente. É movimento sem liderança central, que torna a negociação difícil. Por trás, é bem articulado, dificultando apontar responsáveis e aplicar penalidades, o que não impede que isso seja feito — explica Luiz Antonio dos Santos Jr., sócio da área trabalhista do Veirano Advogados.

O que a paralisação mostrou até aqui, avaliam os advogados, é que caminhoneiros, transportadores e mesmo algumas indústrias estão alinhados, o que difere de um locaute. É que o ganho que vier do movimento dos trabalhadores pode beneficiar toda a cadeia logística.

— O locaute ocorre quando uma empresa paralisa propositalmente as atividades para frustrar pleitos dos trabalhadores numa negociação coletiva. Não é o que ocorre. Uma greve pressupõe empregados reivindicando algum direito a seus empregadores. Também não é o que vemos. Não há ilícito do ponto de vista trabalhista. — diz Luiz Marcelo Góis, sócio da área Trabalhista do BMA.

Segundo o advogado Paulo Sérgio João, é um movimento atípico porque não há relação contratual entre as partes.:

— É de fundo econômico e social, político.

Todos reconhecem, porém, que, na pauta de reivindicações do acordo fechado na noite de anteontem entre o governo e entidades ligadas ao movimento dos caminhoneiros, há ao menos dois pontos que sinalizam interesses patronais. Uma delas é a que pede a não reoneração da folha de pagamento do setor de transporte de cargas. A outra é a que quer que ações judiciais da União contra entidades relacionadas ao movimento (que não identifica seus líderes) de caminhoneiros sejam extintas.

'EXISTE ARTICULAÇÃO POLÍTICA'

Tem bases política e econômica a ponte que parece unir tralhadores e transportadoras, explica Maurício Lima, sócio-diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). Ele diz que fica mais fácil negociar com o governo fragilizado:

— Quando a recessão começou, o setor vinha de forte expansão, endividado pela compra de veículos. A partir do fim de 2014, o custo subiu, a demanda caiu. E não foi possível repassar isso para o preço. Com a retomada da demanda desde maio de 2017, os caminhoneiros tentaram fazer o repasse, mas a indústria não estava preparada para absorvê-lo. Com a ameaça do aumento do custo pelo reajuste do diesel, querem a regulação do preço, além da redução tributária.

O setor de transporte rodoviário no país, diz Lima, soma dois milhões de caminhoneiros e 158 mil empresas, sendo apenas 50 delas de grande porte:

— A maioria dos autônomos ou pequenos empresários presta serviço para os maiores. Em geral, as grandes transportadoras operam com mais da metade da frota composta por autônomos.

A decisão do presidente Michel Temer de acionar as Forças Armadas para liberar os bloqueios nas rodovias trouxe de volta à cena a histórica greve dos caminhoneiros que ocorreu no Chile, em 1972, numa tentativa de derrubar o governo de esquerda de Salvador Allende:

— Agora é diferente. No Chile, era um movimento político para derrubar o governo Allende, comandado pelos partidos de direita, com intervenção americana no financiamento aos caminhoneiros — explica Alberto Aggio, professor titular de História da Unesp e especialista em Chile e América Latina. — Aqui, fica claro que existe uma articulação política. Mas o foco não está em derrubar o governo. Ele (Temer) mantém a legitimidade presidencial, ainda que tenha perdido o controle do Congresso.

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