Com o crescimento acelerado do ecossistema empreendedor brasileiro, as startups atingem cada vez mais setores da economia. Se, há alguns anos, as fintechs correspondiam ao setor mais desenvolvido dessa era da nova economia no Brasil, hoje temos HealthTechs no setor da saúde, LawTechs no direito, InsurTechs em seguros, EdTechs na educação, AgTechs na agricultura... Em outras palavras, é difícil encontrar um nicho de mercado em que as startups não tenham chegado para oferecer uma nova dinâmica no desenvolvimento e oferecimento de produtos e serviços. Cada vez mais em evidência, essas pequenas inovadoras já chamam a atenção de grandes empresas que, em diferentes níveis, enfrentam problemas relacionados à dificuldade de inovação interna em estruturas mais robustas e complexas.

Recentemente, uma estratégia que tem sido receitada para grandes organizações é: "relacionem- se com startups". A partir de então, os próximos passos adotados pela empresa geralmente consistem na contratação de uma consultoria especializada em inovação aberta, a criação de uma área de inovação interna (muitas vezes desalinhada culturalmente com outros departamentos) ou até mesmo o destacamento de colaboradores para missões em ecossistemas de inovação, por exemplo. O fato é que o relacionamento com startups pura e simplesmente não representa um caminho curto para a resolução de problemas internos da empresa ou desenvolvimento ágil de soluções – pois existem inúmeros mecanismos que podem ser adotados para esse tipo de estratégia.

Portanto, o relacionamento com startups torna- se uma premissa que muitas vezes gera mais dúvidas do que respostas. As grandes questões que giram em torno dessa ideia são, na verdade, como, quando, por quanto tempo e qual a estrutura que formalizará essa relação. De hackathons a joint ventures, passando por espaços de coworking e até mesmo investimentos, as alternativas são muitas – e é preciso escolher aquela que possui mais fit com as necessidades e características da empresa.

Diante desse cenário, é evidente que cada uma das opções a serem adotadas possui pontos de atenção bastante particulares, principalmente do ponto de vista jurídico. A ideia deste artigo é justamente percorrer algumas das estratégias mais utilizadas no mercado e salientar quais aspectos jurídicos devem ser observados em cada uma delas. Vamos lá?

HACKATHON

Uma das estratégias mais populares – e talvez a primeira ideia que surge em times de inovação de grandes empresas – é um evento dedicado exclusivamente ao desenvolvimento de uma solução para um problema concreto proposto pela organizadora, em tempo recorde. A ideia geral de um hackathon é unir times multidisciplinares para a criação de uma ferramenta tecnológica (ou pelo menos seu protótipo) que solucione o desafio apresentado – o qual oportunamente pode ser uma questão enfrentada cotidianamente por setores da empresa. Pode ser um hackathon interno (para colaboradores) ou externo (que aceita inscrições de qualquer pessoa) e normalmente é organizado em um fim de semana, com bastante descontração, pizza e café. Mas quais os aspectos jurídicos mais relevantes para esse evento?

O primeiro deles diz respeito à propriedade intelectual. Em um hackathon, mais do que ideias, surgem produtos. Isso significa que durante o evento haverá a elaboração de códigos, linguagens, artes visuais, elementos visuais, modelos, UX e outros itens derivados exclusivamente do esforço intelectual dos participantes. É necessário prever desde o regulamento a quem pertence o que for produzido no âmbito do hackathon, para inclusive garantir que a empresa (e os participantes) poderá explorar economicamente as soluções produzidas.

Uma outra questão, não menos importante, é relacionada à esfera trabalhista. Aqui, a maior preocupação é quando há algum tipo de vínculo entre os participantes e a organizadora ou quando a equipe participante está lá a pedido de sua empregadora. Nos dois casos, é preciso relembrar que a empresa empregadora, seja ela a organizadora do evento ou a responsável pelo time participante, não estará isenta do pagamento de horas extras e deverá respeitar jornada de trabalho, intervalos, adicional noturno e outros direitos trabalhistas que necessariamente são devidos aos funcionários. Observação importante: mesmo os contratados como pessoa jurídica podem ser considerados empregados, se houver as características da relação de emprego na realidade.

JOINT VENTURE

Uma joint venture nada mais é do que um empreendimento conjunto. Nessa estrutura, startup e empresa se organizam para desenvolver alguma iniciativa específica como a criação de um produto, elaboração de uma solução ou realização de uma pesquisa, por exemplo. Assim, no contexto da inovação aberta, o termo joint venture pode ser utilizado para qualquer tipo de projeto que tenha a participação colaborativa entre os envolvidos.

Essa amplitude do conceito torna a joint venture uma estrutura particularmente interessante, pois o caso a caso é que determinará quais mecanismos jurídicos serão utilizados para formalizar a relação entre as partes. Algumas modalidades de joint venture recorrentes no ecossistema de inovação envolvem a contratação em formato de parceria, a constituição de uma nova empresa para execução de determinada atividade ou até mesmo uma pura e simples prestação de serviços da startup para a empresa, a qual poderá ser convertida futuramente em eventual compra de parte ou totalidade da startup. Juridicamente, assim, vale estudar os (i) objetivos da grande organização e da startup; (ii) a natureza do objeto que será desenvolvido em conjunto; (iii) os impactos fiscais do empreendimento; e (iv) como será repartida a propriedade intelectual que vier a ser criada no contexto da joint venture.

Portanto, na joint venture os instrumentos contratuais devem ser pensados de uma forma adequada às necessidades de cada estrutura que será adotada. Exemplificando: se for decidida a constituição de uma terceira empresa que representaria a joint venture, a sua execução necessariamente deverá passar pelo processo de formalização de pessoas jurídicas no Brasil. No caso de uma parceria, o contrato que a formalizará deve prever aspectos relacionados à divisão de propriedade intelectual, recolhimento de impostos, segregação de quadro de funcionários e eventuais cláusulas de confidencialidade e não concorrência. É comum também encontrarmos casos de parcerias formalizadas em documentos mais simplificados (como memorandos de entendimentos), prevendo que caso o empreendimento atinja o resultado esperado, um evento "maior" poderá ocorrer – como a compra da startup, a contratação de seus sócios como diretores ou até mesmo a celebração de um contrato definitivo de prestação de serviços.

Assim sendo, a joint venture pode ser uma boa alternativa a ser utilizada por grandes empresas para se relacionar com startups, uma vez que há diversos tipos possíveis de estruturas. De todo modo, é importante ressaltar que grande parte das vezes a empresa mais robusta assume um papel de hipersuficiência em relação à startup. Isso significa dizer, em outras palavras, que a empresa não está contratando com outra parte com o mesmo poderio econômico ou estrutural. Portanto, é prudente ter a consciência de que o contexto da negociação será bem diferente, demandando flexibilização de algumas cláusulas que possam ser consideradas como padrão pela empresa, bem como a adequação dos direitos à realidade de uma empresa pequena e inovadora.

ESPAÇOS FÍSICOS: COWORKINGS

É raro encontrar startups que já nascem com um escritório próprio, cuja sede ocupa um andar corporativo charmoso em um bairro conceituado. Startups normalmente se desenvolvem em espaços "caseiros" em seus primeiros meses de vida, seja nas mitológicas garagens dos fundadores, seja até mesmo em espaços informais como shopping centers e cafés. A falta de uma infraestrutura mínima de escritório é uma questão que afeta a maior parte dos fundadores de startups, que preferem alocar seus primeiros recursos no desenvolvimento de um MVP (Minimum Viable Product) que seja capaz de validar suas ideias.

A maior abundância de recursos de grandes organizações é uma maneira de suprir esse problema, ao lado do fato de que essas empresas normalmente já possuem espaços físicos consolidados (ou, ao menos, capacidade de investir na construção de novos ambientes). Por esse motivo, não são poucas as empresas que optaram por criar verdadeiros escritórios colaborativos que são oferecidos a startups, em formato de coworkings ou "garagens" de inovação.

Aqui, a ideia é bem simples: toda a infraestrutura (espaço, mesas, internet, água, luz, etc.) pode ser oferecida a algumas startups selecionadas. Qual a vantagem disso para a grande empresa? Ter uma quantidade expressiva de startups trabalhando em seu território pode ser um mar de oportunidades de novas parcerias, fornecedores, potenciais investidas e targets em futuras operações de M&A. A empresa é então capaz de acompanhar "de perto" os produtos, serviços e modelos de negócio de startups e seus fundadores, entrando em contato com a cultura de inovação e observando futuros negócios que podem ser aproveitados internamente. De quebra, ainda incentivam a atividade inovadora e fomentam o empreendedorismo em uma região.

Em termos jurídicos, a fundação de um espaço de inovação requer a análise de sua viabilidade imobiliária, a qual pode envolver a compra ou a locação de um imóvel. Feito isso, é preciso elaborar os documentos que tratam dos direitos da empresa (enquanto administradora do espaço) e das startups residentes. Esse conjunto de contratos normalmente compreende um contrato de uso de espaço (ou, em determinados casos, até mesmo locação, nos termos da lei) e as regras gerais do ambiente, que podem variar de acordo com o porte e a variedade de "funcionalidades" que o coworking oferece aos usuários. Além disso, é necessário verificar algumas questões pontuais, como os aspectos fiscais da cessão de uso de espaços físicos.

INVESTIMENTO

Investir em startups pode ser um "bom negócio" para grandes empresas que encontram startups promissoras no mercado que precisem de suporte financeiro para desenvolver soluções inovadoras e conduzir seus negócios. A proposta é simples: aporta-se capital em uma startup e, em contrapartida, a investidora pode eventualmente se tornar sócia da empresa e deter parte dos direitos econômicos sobre o produto ou serviço que foi criado.

Basicamente, o investimento em startups pode ser feito por meio de dívida (debt), compra de participação societária (equity) ou uma estrutura "híbrida" (dívida conversível em participação societária). Este último caso é o mais recorrente no ecossistema de inovação brasileiro por diversos motivos, dentre eles: (i) a investidora não ingressará no quadro societário da startup desde o começo, evitando inicialmente os riscos envolvidos em um negócio inovador; (ii) é possível prever a convertibilidade da dívida em participação societária em determinados casos que sejam interessantes para a investidora; e (iii) adquirir diretamente equity pode não ser uma boa opção, por questões fiscais.

Por outro lado, também pode não ser estrategicamente interessante para a startup ter um sócio investidor logo no início, pois isso prejudicaria a dinâmica da tomada de decisões. As razões acima, somadas, fazem com que um instrumento híbrido – normalmente, um mútuo conversível – seja a opção mais adotada para o investimento em startups no Brasil.

Se for captado recurso de terceiros, pode ser necessária a constituição de um Fundo de Investimento em Participações (FIP) ou outro veículo, respeitadas as normas sobre a oferta e distribuição de valores mobiliários no Brasil. Caso contrário, um veículo próprio da empresa pode ser suficiente para viabilizar o investimento a ser realizado. Uma outra opção seria aportar capital em um FIP já constituído para fins de corporate venture, em que o gestor do fundo é responsável por selecionar as startups que receberão os aportes. Nesse caso, o relacionamento da investidora com a investida se torna um pouco mais distante.

Assumindo que a empresa conduzirá o processo decisório sobre o investimento, recomenda- se que sejam percorridas as etapas que envolvem negociações preliminares (celebração de um term sheet), auditoria contábil e legal (due diligence) e a posterior elaboração dos contratos definitivos (que pode ser, por exemplo, um mútuo conversível, uma compra e venda de ações ou um contrato de participação, conforme a Lei Complementar nº 155/2016). O contrato poderá conter cláusulas de confidencialidade, não concorrência e ainda prever a elaboração de Acordo de Sócios com determinados direitos concedidos à investidora, como voto afirmativo em algumas questões, posições em conselhos, lock- -up dos fundadores, tag along, entre outros. A grande empresa que optar por investir em startups também deve estudar como será tributado o ganho em caso de venda da participação societária que ocasionalmente detiver.

Contudo, o mais importante no caso de investimentos em startups é compreender que se torna fundamental o alinhamento cultural da empresa investidora. Não costuma ser uma prática vantajosa conceder aos investidores direitos muito arbitrários ou que potencialmente prejudiquem a dinâmica, a velocidade e a capacidade de inovação inerente às startups. Por exemplo: ainda que seja importante para acompanhamento, pode ser excessivo exigir a entrega de relatórios contábeis mensais de uma empresa enxuta focada em escalar rapidamente um produto inovador; em um mesmo sentido, a governança da startup se tornaria bem travada caso o investidor tivesse que ser consultado para todo e qualquer passo a ser dado. Assim, o investidor pode até acompanhar de perto a startup e exigir poderes em determinados casos, mas precisa ter a consciência de que investir nesse tipo de negócio é diferente de fazer uma aplicação tradicional e segura – mas pode, caso a startup vingue, gerar recompensas muito maiores que dividendos.

INCUBAÇÃO/ ACELERAÇÃO

Uma outra opção como estratégia de inovação aberta é a criação de programas de incubação ou aceleração de startups. Recentemente, essas iniciativas têm se tornado muito populares pois podem envolver diferentes tipos de atividades, planejadas de acordo com o momento e principais necessidades de cada startup. Em síntese, os objetivos primordiais dessa opção envolvem apoiar o desenvolvimento de startups embrionárias, muitas até mesmo sem um produto já constituído (incubação) ou impulsionar o seu crescimento rápido e exponencial (aceleração).

No caso da incubação, startups normalmente recebem estrutura física, aconselhamento com pessoas experientes em seu nicho de atuação e, muitas vezes, é feita uma ponte com universidades e entidades governamentais, para buscar fontes intelectuais ou financeiras para fomento da inovação. A aceleração, por sua vez, costuma oferecer mentoria focada no crescimento rápido e escalabilidade do produto da startup; também comporta estrutura física e às vezes pode até envolver investimentos financeiros na startup em troca de participação societária.

Como a incubação e a aceleração na realidade são programas estruturados que envolvem diferentes ações, métodos e benefícios mútuos, o primeiro instrumento jurídico a ser considerado é o regulamento do programa, contendo descrição, responsabilidade, direitos e deveres das partes envolvidas. Atrelada ao regulamento pode ser adotada a estrutura de convocação de inscrições por edital, o qual abrirá um processo seletivo para turmas de incubação ou aceleração. Essa não é uma prática obrigatória, mas é capaz de facilitar a gestão de um grupo grande de empresas que entram e saem das incubadoras ou aceleradoras periodicamente. Organizar essas empresas em turmas possibilita que os programas sejam aplicados de uma forma mais estruturada e atrelada a cronogramas pré-determinados.

Pensado o processo seletivo e a estrutura em si do programa, é preciso avaliar quais são os instrumentos jurídicos adequados para cada "elemento" que compõe o programa. Por exemplo: se for oferecido espaço físico, devem ser elaborados instrumentos jurídicos semelhantes ou iguais aos recomendados para coworkings; em caso de investimento, é preciso definir o veículo, o contrato e os direitos concedidos às incubadoras ou aceleradoras. É importante ressaltar que não é prática de mercado a troca de participação societária por mentoria ou aconselhamento.

CONCLUSÃO

Este trabalho objetivou esclarecer, de forma breve e sucinta, alguns aspectos jurídicos que envolvem diferentes estratégias de inovação aberta que podem ser adotadas por grandes empresas em seus objetivos de relacionamento com startups.

Seja qual for a opção escolhida pela empresa, é importante estruturá-la juridicamente de uma forma que seja segura para todas as partes envolvidas. Entretanto, essas não são operações comuns. Para evitar choques culturais e relacionamentos desgastados, os responsáveis pelas negociações e pelos contratos precisam compreender as peculiaridades do mercado e do ecossistema de inovação em que as grandes empresas desejam se inserir... e esse ecossistema é repleto de oportunidades!

A tecnologia e o empreendedorismo, a mentalidade diferenciada das startups e a onda cultural que esses negócios propagam representam uma pluralidade de caminhos diferentes que podem ser aproveitados por grandes empresas para reproduzirem seus momentos de sucesso no futuro. "O maior impacto [do Estilo Startup] ocorre quando as ideias e a forma de trabalho se tornam profundamente arraigadas ao DNA de uma empresa" – diz Eric Ries, consultor, idealizador do método lean para gestão de startups e um grande estudioso das características desses negócios; o mesmo Ries, ainda, afirma que o impacto dessa cultura cresce à medida que pequenas interações ocorrem. E questiona: "quantos avanços que mudaram o mundo não começaram extremamente pequenos?".

A relação de grandes empresas com startups pode representar, na verdade, os primeiros passos para uma sociedade muito melhor.

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