O governo brasileiro vai precisar acabar a redução do IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) como subsídio pela Lei de Informática e também do PIS/Cofins pelo PADIS (semicondutores). Além disso, os Processos Produtivos Básicos (PPBs) que exigem conteúdo local vão ter de ser eliminados. 

A substituição desses tipos de subsídio é resultado da decisão final do Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC) que manteve a condenação de cinco de sete programas de política industrial adotada no governo de Dilma Rousseff. 

A OMC manteve "largamente"' a decisão anterior do comitê de investigação de que vários programas de subvenção para promover a produção nacional de produtos "high tech" e automotivo violam as regras do órgão - um exemplo é a provisão de tratamento nacional. 

Os programas condenados envolvem substituição de importação: a Lei de Informática, que vigora até 2029; o PADIS, que vigora até o início de 2022; e o Inovar-Auto, o PATVD (estímulo fiscal para TV digital) e o programa de inclusão digital, que já nem mais existem.

Ao mesmo tempo, os juízes reverteram decisões sobre dois programas de subsídio à exportação que tinham sido condenados antes por serem vinculados à obtenção de determinado volume de exportações. Foram absolvidos o Programa Preponderantemente Exportador (PEC) e o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras (Recap). 

"É uma vitória inesperada em relação ao PEC e Recap, e parcial em relação aos demais na medida em que se permite a utilização de PPBs como critério para concessão de subsídios", afirma o advogado Victor Bovarotti Lopes, do Demarest Advogados, que atuou no contencioso, contratado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). 

O Órgão de Apelação manteve a condenação da Lei de Informática por violação de tratamento nacional também porque o subsídio vem por redução de imposto indireto, o IPI. A mesma lógica se aplica no caso do PIS/Cofins para indústria de semicondutores. "O governo pode dar subsídio, mas terá que criar outra alternativa, diferente de IPI e Cofins", observa  Ana Caetano, do Veirano Advogados

Com relação ao PPB, que são listas de etapas produtivas que têm de ser seguidas para a empresa receber o subsídio, não foi mais considerado subvenção proibida. Esse só é o caso nas situações em que um PPB inclui outros PPBs como uma das etapas exigidas para concessão do subsídio, o que caracteriza exigência de conteúdo local. Se o governo disser que uma bateria tem que ser colocada no Brasil, pode. O que não pode é exigir que a bateria seja brasileira, para não discriminar o produto importado. 

A decisão dos juízes terá impacto também na Zona Franca de Manaus, mesmo sem ter sido alvejada no contencioso por europeus e japoneses. Vão ter de ser retirados os PPBs que fazem referência a outros PPBs vistos como exigência de insumo nacional. 

Mas a condenação foi atenuada para a Lei de Informática, Programa de Inclusão Digital, PADIS, PATVD e Inovar-Auto. O pagamento de subsídios exclusivamente a produtores nacionais é permitido, desde que para a sua concessão não se exija a utilização de produtos nacionais em substituição a produtos importados. Os acordos da OMC não proíbem que o governo brasileiro exija a realização no país de etapas mínimas do processo produtivo para que uma empresa tenha direito a uma determinado subsídio. "Esta decisão dá margem para que o Brasil mantenha o cumprimento de PPBs como um requisito para a concessão de subsídios a produtores nacionais", diz Victor Bovarotti. 

Com relação ao PEC e Recap, os juízes decidiram que, em princípio, esses programas de subvenção não contrariam as regras da OMC e podem ser mantidos sem a necessidade de quaisquer ajustes. 

Houve uma dissidência entre os três juízes (americano, europeu e uma chinesa) num ponto, o que não é muito comum. O "painel" tinha admitido um argumento do Brasil de que benefício tributário constituia pagamento de subsídios exclusivamente para produtores domésticos e era isento das regras da OMC sobre tratamento nacional. O Órgão de Apelação não aceitou esse argumento. Mas um juiz não concordou com a opinião dos dois colegas e fez constar seu voto, que ia na direção do pleito brasileiro. 

Por outro lado, o Órgão de Apelação flexibilizou o prazo para o Brasil alterar programas condenados. Na decisão inicial, o Brasil tinha prazo de 90 dias para fazer modificações. Agora, os juízes d recomendam ao Brasil retirar os subsídios condenados "sem demora", termo que deixa aberto o prazo. O Itamaraty disse que vai cumprir as decisões. 

O certo é que, se o governo não alterar os programas, o Brasil corre o risco de sofrer retaliação da União Europeia e do Japão, que denunciaram o país na OMC. 

Para analistas, decisão mais branda foi positiva

A decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) de absolver dois programas que dão incentivos às exportações foi considerada positiva por especialistas. Entre as cinco medidas condenadas, três já nem existiam mais, e a com maior potencial de afetar a indústria do setor é a Lei da Informática. Mesmo neste caso, foi permitido o uso do Processo Produtivo Básico (PPB), que determina percentuais obrigatórios de uso de componentes nacionais, como meio de concessão de subsídios. 

Segundo Carlos Abijaodi, diretor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a manutenção do PPB para a produção de bens de informática no país é uma vantagem, assim como a absolvição do Programa Preponderantemente Exportador (PEC) e do Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras (Recap). 

"Foi uma decisão bastante equilibrada, que nos trouxe potencial para que a política industrial ainda seja desenvolvida no Brasil", diz Abijaodi, para quem as condenações do órgão foram condizentes com o que o país ainda pode fazer no momento atual. Assim, as mudanças exigidas pela OMC não representam um problema para o governo do presidente Jair Bolsonaro, diz. 

Para Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV), a gestão de Bolsonaro não terá como objetivo desenvolver uma política industrial, mas deve enfrentar pressão de empresários da Zona Franca de Manaus e também do polo de Campinas em razão da Lei da Informática. "De qualquer forma, o discurso [do governo] é o de que iriam mexer em incentivos fiscais. Esse problema vai ter que ser enfrentado de alguma forma." 

O diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida, afirma que "já está mais do que na hora" de a lei de 1991 ser "modernizada e revigorada". "Hoje em dia ela serve muito mais para dar incentivo a empresas que não produzem na Zona Franca de Manaus, para que tenham competitividade em outros Estados do país", avalia. 

Pela legislação, a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados [IPI] nos bens contemplados pode ser de 95% ou chegar à isenção, a depender do produto, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No Sul e Sudeste, o desconto varia de 80% a 95%. 

Ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, Almeida lembra que políticas de conteúdo nacional são implementadas por várias economias, inclusive EUA e China. O problema é que, no Brasil, existiam subsídios demais, o que virou motivo de confrontação de outros países, aponta o diretor do Iedi. O conteúdo local é um conceito que pode ser usado, desde que bem estruturado, acompanhado e avaliado, defende o economista. 

Os especialistas apontam, ainda, que a absolvição do PEC e do Recap pela OMC é mais relevante do que as cinco condenações. O primeiro programa isenta de impostos a compra de insumos por empresas exportadoras. Já o segundo suspendeu a cobrança de PIS e de Cofins na aquisição de máquinas e equipamentos, também para indústrias que exportam boa parte de sua produção. 

"O PEC e o Recap são programas horizontais que corrigem distorções existentes no sistema tributário. É importante que tenham sido preservados, porque são usados em cadeias produtivas mais longas", disse Abijaod. 

Segundo Marconi, da FGV, o fomento às vendas externas é a parte mais importante que integra uma estratégia de desenvolvimento voltada para a indústria. "É importante para a indústria nacional ter estímulo às exportações, preferência nas compras de produtos nacionais e inovação." 

Para a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), a decisão mostra como é importante a continuidade da política de informática. Na visão dela, o órgão deu legitimidade à política com as ressalvas necessárias. 

"A Lei de Informática tem sido fundamental e exercido papel decisivo na atração dos principais players mundiais do setor", disse a associação. "Portanto, não se trata de uma política de governo, mas de Estado."

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