A reconstrução econômica do Brasil por meio dos incentivos às startups

Escassez, terra árida, conflito com vizinhos, dependência na importação de insumos. Sem dúvida, uma combinação no mínimo difícil. Esse já foi um cenário familiar para Israel, cujo pequeno território abriga, hoje, menos de 9 milhões de pessoas – população menor do que a da cidade de São Paulo.

Já no Brasil, o quadro sempre foi diferente. Abundância, solo fértil, neutralidade, 24ª maior economia de exportação no mundo, mais de 200 milhões de habitantes.

Diante da recente aproximação entre Brasil e Israel, é de fundamental importância conhecer um pouco sobre o ambiente de negócios. Para começar, vale ter em mente a palavra-chave do mundo moderno, que, por meio da tecnologia, tem transformado todos os conceitos e práticas antes conhecidas. Trata-se da inovação.

Israel não é apenas inovação. É um grande laboratório de liderança, capacidade de se reinventar e de reconstruir fazendo bom uso do capital humano para vencer as adversidades. Não por acaso, se tornou a "Nação Startup", exemplo de milagre econômico. Shimon Peres, um dos founding fathers  e entusiasta da tecnologia, certa vez disse que o mundo passa por um período de transição. Uma geração está morrendo, apesar de ainda não estar morta. A outra, já nasceu, mas ainda é uma criança. Essa transição abre uma grande avenida para as oportunidades.

A reflexão visionária traduz a fase atual em que vivemos e complementa o pensamento de outro founding father, Ben-Gurion, quem afirmara que todos os experts  são experts no que já existe – mas não no que ainda acontecerá. Para essa última hipótese, é preciso que trabalhemos com o olhar do futuro, preparando-nos para os desafios.

O escritor venezuelano Moisés Naim, na obra "O Fim do Poder", também fez o alerta para as mudanças que o século atual tem se deparado, e as quais perpassam pela tecnologia e alcançam a forma com a qual enxergamos e exercemos o poder, em uma corrente que hoje passa o mastro "daqueles que têm mais força bruta para os que têm mais conhecimentos, dos países do norte para os do sul e do Ocidente para o Oriente, dos velhos gigantes corporativos para as empresas mais jovens e ágeis".

É nessa toada que o Brasil também deveria seguir para romper barreiras, criando o ambiente propício para o florescimento das novas tecnologias por meio de incentivos às Startups. Capacidade e solo fértil não faltam por aqui, mas, além da dose certa de ousadia (ou, em lídiche, a dose certa de Chutzpah), é necessária uma disrupção no campo tributário.

A importância dessas pequenas notáveis não pode passar despercebida. É bem verdade que o Brasil não as ignora, tanto que proporcionou programas como o de financiamento às Startups  promovido pela agência pública Finep (Financiadora de Inovação e Pesquisa), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A Lei do Investidor Anjo (LC nº 155/2016) cuida do capital para investir e orientações para aplicá-lo. Há, também, a chamada Lei do Bem (Lei nº 11.196/05).

Por outro lado, sabemos como o nosso sistema tributário tem desafiado o desenvolvimento das novas tecnologias, distorcendo definições clássicas sobre o que é software  ou hardware,  em meio a um cenário de conflitos federativos que visam a obtenção de receitas provenientes de impostos como o ICMS e o ISS. Insegurança jurídica, desconfiança entre Fisco e contribuinte, guerra fiscal, uma legislação ultrapassada, somados à alta carga de tributos, são ingredientes que causam gosto amargo à inovação.

A tão esperada reforma tributária certamente se encarregaria de abraçar esse novo mundo que está diante de nós, de maneira a proteger a fatia do Estado, mas, ao mesmo tempo, simplificar a vida do contribuinte, a exemplo do que ocorreria caso houvesse a unificação de tributos tais como IPI, CSLL, PIS/Cofins, ICMS, ISS, dentre outros.

Contudo, precisamos de doses de realismo. Até que essa reforma finalmente saia do papel – e como o tempo para os avanços tecnológicos anda a passos largos -, o País não pode esperar É preciso levar a sério esse novo modelo de negócios que se tornaram as Startups,  repensando fórmulas de tributação que, a níveis federais, estaduais e municipais, com segurança jurídica, as atendam.

Por mais óbvio que ele seja, é importante frisar o fator segurança, pois, não faz muito tempo que vimos o Governo Federal, por meio das MP's nº 690/2015 e nº 694/2015, suspender e revogar alguns direitos previstos pela Lei do Bem, instituída com a intenção de incentivar as empresas que realizassem pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica, a chamada "P&DI". Antes dessas MP's, as receitas provenientes de vendas a varejo de produtos de informática eram submetidas à alíquota zero de PIS e Cofins.

A discussão, quanto a esse ponto, foi parar no Judiciário, com algumas demandas ainda pendentes de análise pelo Superior Tribunal de Justiça. Com o regime previsto pela lei, há, ainda, a possibilidade de dedução de até 34% do IRPJ e da CSLL e de 50% do IPI de máquinas e equipamentos destinados à P&DI.

Nada obstante, para o IRPJ e CSLL, apenas as empresas optantes pelo Lucro Real é que poderiam se beneficiar, o que elimina o acesso direto de boa parte das startups  ao rol de direitos, sobretudo aquelas que estão no início, uma vez que esse regime de apuração melhor atende grandes empresas com margens de lucro mais elevadas.

Para o desenvolvimento das startups  e do deslanche da inovação, o Congresso Nacional e o Poder Executivo serão importantes parceiros nessa empreitada. Vale lembrar que ainda tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 9.590/18, que, além de definir o conceito objetivo de startup  (reconhecendo-se, ao mesmo tempo, a complexidade para tanto) com base na legislação italiana, igualmente apresenta medidas de estímulo à criação dessas empresas.

Em matéria de regime tributário, o PL nº 6.625/2013, atualmente na Câmara após ter sido aprovado pelo Senado Federal, proporciona às "empresas de tecnologia nascentes", as startups, com receita limitada a R$ 30 mil por trimestre e com até quatro funcionários, a isenção total e temporária de pagamento de todos os impostos federais.

Trata-se do "Sistema de Tratamento Especial a Novas Empresas de Tecnologia", o SisTENET, um regime crucial para que os primeiros passos possam ser dados nessa corrida pela inovação. Daí a importância de que a sua apreciação seja acelerada e logo apresentada ao público.

Em paralelo, há, ainda, o Decreto nº 9.319/2018, que instituiu o Sistema Nacional para a Transformação Digital, assim como a Lei nº 13.674/2018 (Lei de Informática), a qual incentiva empresas de tecnologia e informática a investirem em pesquisa e inovação através da concessão de direitos relativos ao IPI. Veja-se que a conjuntura normativa demonstra a complexidade do nosso sistema regulatório, no que é preciso estar atento a essa estrutura de legislações esparsas e o impacto de cada uma. Em contrapartida, paradoxalmente, indica que o Brasil tem se movimentado.

Os tempos modernos exigem, para que possamos alcançar a prosperidade, quebras de paradigma também no que diz respeito à mentalidade na implementação de políticas públicas.

Tratamentos fiscais diferenciados não são, necessariamente, sinônimos de simples retirada de dinheiro dos cofres públicos. Quando feitos de maneira responsável, por intermédio, por exemplo, de diálogos institucionais e de estudos de impacto financeiro, eles representam crescimento e oportunidade por meio de estímulos econômicos temporários em ambientes de alto risco, como o das startups, e são capazes de retornar em produção, geração de empregos e rendas.

Trata-se de edificar instituições econômicas inclusivas, assim como fez Israel. Se quisermos ascender, não podemos ficar presos ao passado. É preciso investir pesado, evitando-se o êxodo do empreendedorismo.

Na obra "Por que as Nações Fracassam", Daron Acemoglu e James Robinson ressaltam o poder dessas instituições, as quais, ao contrário daquelas de perfil extrativista, "possibilitam e estimulam a participação da grande massa da população em atividades econômicas que façam o melhor uso possível de seus talentos e habilidades". É delas que nós precisamos.

Ao optar pela inovação, Israel passou a adicionar dados impressionantes ao seu portfólio. Segundo Dan Senor e Saul Singer, autores do livro "Start-Up Nation", em 2008 os investimentos per capita  em venture capital no país foram 2.5 vezes maiores do que nos Estados Unidos, mais de 30 vezes maiores do que na Europa, 80 vezes mais do que na China e 350 maiores do que na Índia.

Os dados refletem a colheita do plantio que se iniciou em 1993, por meio de uma iniciativa do governo israelense de apoiar a indústria de venture capital  através da criação do fundo Yozma, (que, em hebraico, significa "iniciativa") oferecendo incentivos fiscais para atrair investimentos estrangeiros. Foi graças a esse pontapé inicial que a Nação Startup  floresceu.

Além disso, atrás apenas dos EUA, Israel possui a maior quantidade de empresas do setor listadas na bolsa de valores eletrônica, a Nasdaq, passando na frente de todos os demais países. Para entender a dimensão alcançada, basta que olhemos a origem de muitas das tecnologias incorporadas à nossa rotina: do aplicativo Waze, da fabricação dos chips mais sofisticados da Intel, ao pendrive.

Ocupando 60% do território, as terras áridas do deserto de Neguev não impediram o avanço da agricultura. Aqui, mais uma vez, a tecnologia e o fortalecimento das startups  jogaram lado a lado, arando o solo para dar vida ao "Agritech". O país fez da escassez da água o insumo para a ousadia, criando modernos sistemas de irrigação e técnicas de dessalinização jamais vistas. Mais uma demonstração de que o bom uso da tecnologia empodera.

Israel tem o que dizer. O Brasil tem o que mostrar. Juntos, esses dois países podem muito. A largada do primeiro deu-lhe resultados extraordinários. Mas o Brasil não está fora dessa corrida. Com os ajustes certos e a mudança de postura que já se sinaliza podemos construir um ambiente de negócios inteiramente amigável às startups.

A tributação é um elemento essencial no mosaico de necessidades dessa missão. Sem negligenciar essa realidade, nem superestimar o seu papel, será possível, ao lado de Israel, fazer o sertão virar mar. Para isso, é preciso inovação. Não somente a tecnológica, mas a de coragem política de fazer acontecer, assumir riscos e colher os frutos da plantação. O caminho está aberto.

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