O Governo Federal publicou em 20 de setembro de 2019 a Lei Federal nº 13.874 (Lei da Liberdade Econômica), instituindo a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica. A Lei da Liberdade Econômica resultou da conversão em lei da Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019, originalmente proposta com o intuito de desburocratizar a atividade empresarial.

A Lei pretende estimular a atividade econômica por meio de uma menor intervenção do Estado na iniciativa privada e baseia-se nos seguintes princípios: (i) a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; (ii) a boa-fé do particular perante o poder público; (iii) a intervenção subsidiária e excepcional do Estado no exercício das atividades econômicas; e (iv) o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

Abaixo segue um breve resumo das principais inovações decorrentes da Lei da Liberdade Econômica. Ressalta-se que, em razão da pertinência do tema, alguns dos tópicos abaixo serão objeto de análise específica em boletins a serem divulgados oportunamente.

A Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica

A Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica (DDLE) estabelece normas e princípios para assegurar a proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e trata igualmente da atuação do Estado como agente normativo e regulador, no âmbito previsto na Constituição Federal.

Pela DDLE, é direito de toda pessoa desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada – própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica.

Além disso, a DDLE traz inovações significativas ao estabelecer como direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e crescimento econômicos do país:

i. tratamento isonômico de órgãos da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação de atividade econômica, os quais estarão vinculados aos mesmos critérios de interpretação adotados em decisões administrativas análogas anteriores;

ii. garantia de que o contratado, em negócios jurídicos empresariais, prevalecerá sobre normas de ordem pública, com algumas exceções específicas;

iii. a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação de atividade econômica, o particular receba, após a instrução do processo, um prazo expresso para a análise do pedido, importando o silêncio da autoridade em aprovação tácita da solicitação, ressalvadas algumas hipóteses;

iv. proibição de se exigir medida ou prestação compensatória ou mitigatória abusiva que distorça sua função e não se apresente razoável ou proporcional, no âmbito de estudos de impacto ou outras liberações de atividades econômicas no âmbito do direito urbanístico.

Garantias de Livre Iniciativa

Em relação à administração pública, a Lei da Liberdade Econômica estabelece que é seu dever no exercício de regulamentação de norma pública, evitar o abuso de poder regulatório de maneira a, indevidamente: criar reserva de mercado; restringir a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado; exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado; aumentar o custo de transação sem demonstração de benefícios; introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas; entre outros.

Análise de Impacto Regulatório

As propostas de edição e de alteração de atos normativos da administração pública federal que sejam de interesse geral de agentes econômicos, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.

Alterações do Código Civil

A Lei da Liberdade Econômica alterou alguns artigos do Código Civil (CC) com impactos relevantes.

Desconsideração da Personalidade Jurídica

Algumas regras foram introduzidas em relação aos pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, que tem sido aplicada tanto na esfera administrativa quanto na judicial.

A nova redação do artigo 49-A explicitou a diferenciação entre a pessoa jurídica e seus sócios, associados, instituidores ou administradores, apresentando a autonomia patrimonial como instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, uma vez que se tratam de instrumentos capazes de gerar empregos e estimular novos empreendimentos.

A desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil, pode ser aplicada nos casos de desvio de finalidade e confusão patrimonial. Esses conceitos foram definidos na nova redação do artigo 50 do CC e parágrafos.

Desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e praticar atos ilícitos de qualquer natureza. Ficou também estabelecido que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Por sua vez, confusão patrimonial foi definida como a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada: (i) pelo cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador, ou vice-versa; (ii) pela transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações; e (iii) por outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Mais importante, a regra estabelece expressamente que a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos mencionados no artigo 50 do CC não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

A lei não estendeu tais regras a matérias sensíveis como contingências trabalhistas, de consumidores e ambientais, em que a desconsideração da personalidade jurídica representa risco empresarial relevante. A tendência é que o Poder Judiciário mantenha, para essas disputas, regras específicas, menos claras e seguras.

Interpretação do negócio jurídico

Ao inserir novos parágrafos ao artigo 113 do CC, esmiuçou as possibilidades de interpretação do negócio jurídico, atribuindo o sentido: (a) confirmado pelo comportamento das partes após a celebração do negócio jurídico; (b) correspondente aos usos, costumes e práticas de mercado, bem como à boa-fé, entre outros. Além disso, também autorizou às partes livremente pactuarem regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de interpretação dos negócios jurídicos diferentemente daquelas previstas em lei.

Função social e intervenção mínima nos contratos

A Lei manteve no Código Civil o princípio da função social do contrato, uma regra aberta a que o Poder Judiciário recorre para situações de contratos socialmente indesejáveis – por vezes, com insegurança às partes contratantes. Essa possibilidade foi, no entanto, reduzida. A Lei da Liberdade Econômica introduziu o princípio da intervenção mínima, estabeleceu a revisão contratual como medida excepcional e criou a presunção de igualdade em contratos civis e empresariais.

Fundos de Investimento

Um novo capítulo sobre Fundos de Investimento foi criado no Livro III do Código Civil. Apesar de reafirmar a competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para disciplinar os referidos fundos, disciplina que o registro do regulamento desses fundos de investimento na CVM é condição suficiente para garantir sua publicidade e oponibilidade perante terceiros.

Ainda, a nova regra permite aos fundos estabelecer classes de cotas com direitos e obrigações distintas, possibilitando constituir patrimônio separado para cada classe e limitando a responsabilidade de cada condômino ao valor de suas cotas. Na hipótese de o fundo não possuir patrimônio suficiente para quitar as cotas em resgate, os cotistas figurarão na lista de credores em observância às regras de insolvência do Código Civil. A insolvência poderá ser requerida judicialmente por credores, por deliberação própria dos cotistas do fundo de investimento, nos termos de seu regulamento, ou pela CVM.

Por fim, a Lei da Liberdade Econômica retirou a responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários perante as obrigações legais e contratuais previstas no regulamento dos fundos, salvo na hipótese de dolo ou má-fé.

Enunciados de Súmula da Administração Tributária Federal

A Lei da Liberdade Econômica também tratou da criação de um comitê que editará enunciados de súmula da administração tributária federal. O comitê será formado por integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Economia e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Esses enunciados de súmula deverão ser observados nos atos administrativos, normativos e decisórios praticados pelos referidos órgãos.

Matérias Tributárias Pacificadas

Ainda, com alterações na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, foi ampliado de maneira significativa o rol de hipóteses em que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional está dispensada de contestar, oferecer contrarrazões e de interpor recursos, bem como autorizada a desistir de recursos interpostos.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá dispensar a prática de atos processuais, inclusive desistir de recursos interpostos (i) quando existir súmula ou parecer do Advogado-Geral da União que conclua no mesmo sentido do pleito do particular, (ii) em relação a temas decididos pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando (a) for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo ou (b) não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, conforme critérios definidos em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, ou, ainda, (iii) quando o benefício patrimonial almejado com o ato processual não atender aos critérios de racionalidade, de economicidade e de eficiência.

Digitalização de documentos com efeitos fiscais

A Lei da Liberdade Econômica ainda deixou clara a possibilidade de os contribuintes arquivarem documentos com efeitos fiscais por meio de microfilme ou por meio digital, hipótese em que o documento microfilmado ou digital será equiparado ao documento físico para todos os fins legais. Para tanto, deverão ser observadas as técnicas e os requisitos estabelecidos em regulamento a ser editado por ato do Poder Executivo Federal.

Alteração dos registros empresariais

A nova lei também trouxe modificações à Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994 (Lei de Registros Públicos de Empresas Mercantis) possibilitando levar automaticamente a registro os atos, documentos e as declarações que contenham informações meramente cadastrais que possam ser obtidos por meio de outras bases de dados disponíveis em órgãos públicos.

Além disso, desburocratizou o registro dos atos de constituição das sociedade ao prever o prazo de arquivamento em 5 dias para as situações previstas no artigo 41, I, da Lei de Registros Públicos de Empresas  Mercantis e 2 dias para as situações não previstas no referido inciso, deferindo automaticamente: (i) os pedidos de registro que cumpram determinados requisitos, entre eles: (a) aprovação de consulta prévia de viabilidade do nome empresarial e da localização e (b) utilização pelo requerente do instrumento padrão estabelecido pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei); e (ii) os pedidos de arquivamento dos atos de extinção.

Seguros

O forte intervencionismo do Estado em matéria de seguros e resseguros tem sido objeto de críticas ao longo dos últimos anos e essa nova legislação é um passo relevante para a desburocratização do setor, que deverá ficar atento e exigir do órgão regulador de seguros (Superintendência de Seguros Privados – SUSEP) a aplicação da mesma.

Além dos destaques gerais já mencionados nos tópicos anteriores, a nova lei revoga, expressamente, dois dispositivos do Decreto-Lei nº 73/1966, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, com relação ao princípio da reciprocidade em operações de seguro, condicionando a autorização para o funcionamento de empresas estrangeiras no Brasil à igualdade de condições no país de origem, propiciando a geração de novos negócios.

Reflexos no Direito do Trabalho

A referida lei também gera reflexos nas relações de trabalho, na medida em que consigna expressamente que a legislação trabalhista é direito da pessoa física e também da jurídica, e que a garantia desses direitos é essencial para o crescimento e desenvolvimento econômico do país. Ainda, a Lei da Liberdade Econômica impõe a observância de seus princípios e de suas disposições na interpretação e aplicação das normas trabalhistas, o que representa um desafio para a Justiça do Trabalho na atualidade.

A Lei da Liberdade Econômica revoga vários dispositivos acerca das anotações da Carteira de Trabalho e cria um sistema eletrônico, cujas anotações devem ser procedidas em cinco dias e as informações disponibilizadas ao empregado em 48 horas.

A nova Lei também estabelece que o empregador com até 20 trabalhadores não precisa adotar registro de ponto. Além disso, a partir de agora, é permitida a anotação do ponto por exceção à jornada normal de trabalho, desde que haja acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva.

Por fim, a Lei da Liberdade Econômica determina a substituição do e-social por um sistema mais simples de escrituração digital das obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais. 

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