Muito se discute nas negociações de contratos acerca da limitação da responsabilidade civil, isto é, da limitação do dever de indenizar das partes e até mesmo da exclusão total do dever de indenizar. Não são poucas as rodadas de negociação a respeito do tema, sendo oportuna a análise sobre a aceitação de tais cláusulas por nosso direito pátrio.

Doutrinariamente, admite-se no Direito Brasileiro a possibilidade de limitação do dever de indenização ao tratarmos de responsabilidade negocial (contratos), sendo lícito às partes limitar o valor das indenizações em relação a certos danos que decorram do inadimplemento das obrigações contratuais.

Desse modo, fica facultado às partes avaliarem os riscos que assumirão em relação à contratação pretendida. É possível, inclusive, que as partes acordem a exclusão prévia do dever de indenizar em determinadas situações.

A limitação do dever de indenizar e a pré exclusão do dever de indenizar devem observar as limitações legais1 das normas de ordem pública. Assim, caso exista uma norma cogente2 ou, ainda, princípios orientadores que proíbam a limitação de responsabilidade, as partes não poderão contratar de forma diferente. Como exemplos dessa restrição, pode-se mencionar:

(i) a reparação do dano ambiental, obrigação sujeita ao princípio da reparação integral de danos, não se admitindo qualquer limitação contratual;

(ii) a impossibilidade de limitação, por via contratual, do dever de indenizar em razão de danos corporais, uma vez que há vários dispositivos legais que difusamente protegem o direito à integridade física.

(iii) contratos que envolvam relações de consumo, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor define como abusiva a cláusula que de qualquer forma implique em renúncia de direitos (art. 51, I do CDC)3.

(iv) contratos de transporte (art. 794 do CC e Súmula 161 do STF), sendo nula cláusulas excludentes de responsabilidade4

Além disso, não pode ser desconsiderado que existe no Código Civil expressa menção sobre a limitação da indenização devida, no caso de obrigações indeterminadas:

Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.

Em regra, a jurisprudência sobre a matéria recai sobre a casuística, o que não nos impede de obter lições valiosas para fundamentar ainda mais os argumentos de validação das cláusulas sobre o dever de indenizar. Citamos a seguir uma decisão a respeito do tema que exemplifica uma obrigação indeterminada (conforme redação do próprio art. 946 do CC) e a aplicação de acordo com a lei processual:

TRT 06 – Recurso ordinário trabalhista RO 165700202009506 PE 0165700-20.2009.5.06.0002 – trabalho em condição análoga a de escravo. dano moral. valor razoável atribuído à reparação. O novo Código Civil estabelece regra geral (artigo 946) para toda obrigação indeterminada, o que inclui a apuração do valor do dano moral, dispondo que "se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar"5. Desta forma, compete ao juiz arbitrar a condenação, nos moldes que entender de direito (art. 286, II, CPC), levando em consideração, entretanto, que a reparação do dano possui duas funções, punitiva e compensatória, em conformidade com a regra encartada no artigo 944 daquele mesmo diploma legal, que assim dispõe: "A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante"6

Assim, em que pese o apoio da Doutrina à validade deste tipo de acordo, a cláusula de não indenizar ou em menor grau a cláusula de limitação da responsabilidade civil, é vista com animosidade por nossos tribunais, sendo bastante restritiva sua validação, em especial nas relações de consumo.

Vale destacar também que a limitação ou a pré exclusão do dever de indenizar encontra resistência dos tribunais brasileiros até mesmo em situações menos extremadas, como nos exemplos acima mencionados (dano ambiental, danos corporais, etc.).

Há decisões que desconsideram a previsão contratual de limitação de responsabilidade civil, condenando a parte infratora ao ressarcimento de todos os danos que tenham sido devidamente comprovados7. A postura dos tribunais de refutar a validade deste tipo de cláusula ocorre uma vez que implica em uma restrição à reparação de direitos feridos por ato ilícito, em situações em que o dano efetivamente ocorreu. Nesses casos, o dever de indenizar se apresentaria consubstanciado na norma, isto é, expressamente previsto pelo art. 927 do Código Civil.8

Desta forma, pode-se concluir que são requisitos básicos para a validade da cláusula limitativa da responsabilidade civil: bilateralidade do consentimento e não infringência de normas com preceitos cogentes. Além disso, como um terceiro elemento, mais quantitativo, pode-se citar que a limitação de responsabilidade não pode ensejar o pagamento de valores irrisórios em reparação ao dano.

Em que pese a controvérsia sobre o tema, cada vez mais as empresas estão preocupando-se em inserir em seus contratos cláusulas que limitem a responsabilidade civil assumida nos contratos. Tal preocupação é bastante justificável, uma vez que, ainda que sejam tomadas todas as cautelas necessárias para a realização do objeto do contrato, não se está livre de infortúnios, erros, defeitos, atrasos, dentre outras desventuras.

Cumpre ainda salientar que as possibilidades de aceitação das cláusulas de limitação de responsabilidade pelos tribunais aumentam de acordo com: a natureza da contratação, a existência de igualdade econômica e de livre negociação entre as partes a compatibilidade entre o valor mínimo indenizatório e o objeto do contrato.

É oportuno destacar ainda a possibilidade de fixação de um valor/limite máximo do dever de indenizar em relação aos lucros cessantes (danos indiretos), desde que consideradas as premissas anteriormente expostas. Há precedentes em que se consagrou a validade da cláusula, como demonstra o caso abaixo:

TJ-SP – APL: 9100221282006826 SP 9100221-28.2006.8.26.0000, Relator: José Carlos Ferreira Alves, Data de Julgamento: 01/03/2011, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/03/2011) APELAÇÃO CÍVEL. Rescisão contratual cumulada com perdas e danos. Contrato de prestação de serviço. Empreitada. Recurso de ambas as partes. Recurso da ré. Preliminar de cerceamento de defesa ante a não intimação para audiência de instrução. Ato posterior com a finalização da oitiva das testemunhas. ausência de manifestação. preclusão. Inteligência do artigo 245 do Código de Processo Civil. Mérito. Pedido de exclusão da condenação ao reajuste dos pagamentos efetivados à autora. contrato que prevê tais reajustamentos. Planilhas demonstrando a sua inocorrência. Dever de reajustar. Manutenção da sentença. Recurso da autora. Pedido de pagamento das perdas e danos e lucros cessantes. As perdas e danos são os danos emergentes e os lucros cessantes. Para o cômputo dessas perdas e danos, toma-se em consideração tudo quanto o credor efetivamente perdeu (dano emergente) e o que razoavelmente deixou de lucrar (lucro cessante). (LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil: Obrigações em geral. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, v. 2. p. 399). Danos emergentes. Gastos havidos com os funcionários. Pedido não constante na inicial. Impossibilidade. LUCROS CESSANTES. Cláusula de limitação de responsabilidade. Peculiaridade do caso concreto. Nulidade somente se comprovada a culpa grave ou o dolo da ré na inexecução do contrato. Inocorrência. Prova do descumprimento contratual em decorrência da falta de repasse das verbas governamentais. Ausência de má-fé. Manutenção da sentença por outros fundamentos. De qualquer forma, ainda que livremente convencionada, não opera em caso de dolo do agente. Não é porque o contratante está isento de indenizar intencionalmente possa causar o dano. Como, nessa inconveniente cláusula, naturalmente a agente relaxa no cumprimento da obrigação, se sua culpa foi de elevado nível (culpa grave), tal se equipara ao dolo. O caso concreto vai elucidar o juiz. (VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 255). MANUTENÇÃO DA SENTENÇA POR SUA CONCLUSÃO. 3 DESPROVIMENTO DOS RECURSOS DA AUTORA E DA RÉ.(TJ-SC – AC: 37160 SC 1996.003716-0, Relator: Jorge Schaefer Martins, Data de Julgamento: 18/03/2004, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação cível n. , de Rio do Sul.)

Outro julgado, dessa vez oriundo do STJ, acata a limitação da responsabilidade civil imposta por cláusula contratual quando "manifesta a igualdade dos sujeitos integrantes da relação jurídica, cuja liberdade contratual revelar-se amplamente assegurada". No entanto, referido acórdão ressalta que a limitação também encontra seus limites, não podendo reduzir o valor do ressarcimento a uma quantia irrisória:

"(...) Validade da cláusula limitativa do valor da indenização devida em razão de avaria da carga objeto de transporte marítimo internacional. Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito da Segunda Seção, considera-se válida a cláusula do contrato de transporte marítimo que estipula limite máximo indenizatório em caso de avaria na carga transportada, quando manifesta a igualdade dos sujeitos integrantes da relação jurídica, cuja liberdade contratual revelar-se amplamente assegurada, não sobressaindo, portanto, hipótese de incidência do artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, no qual encartado o princípio da reparação integral dos danos da parte hipossuficiente (REsp 39.082/SP, Rel. Ministro Nilson Naves, Rel. p/ Acórdão Ministro Fontes de Alencar, Segunda Seção, julgado em 09.11.1994, DJ 20.03.1995). Nada obstante, é de rigor a aferição da razoabilidade e/ou proporcionalidade do teto indenizatório delimitado pela transportadora, o qual não poderá importar em quantia irrisória em relação ao montante dos prejuízos causados em razão da avaria da mercadoria transportada, e que foram pagos pela seguradora. (...)"(STJ. REsp, 1076465/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, dj.08.10.2013, dp. .11.2013).

Por fim, há decisão limitando a obrigação do dever de indenizar de plano e saúde e afastando a alegação de abusividade da cláusula:

Plano de saúde – Atendimento emergencial em hospital não participante da rede de cobertura do plano – Cláusula de limitação da responsabilidade ao preço de tratamento idêntico em hospital da rede -Excedente a ser custeado pelo próprio consumidor – Não abusividade da limitação da responsabilidade – Existência de diferentes categorias de planos, com diferentes extensões da cobertura – Sinalágma contratual – Equilíbrio entre as partes – Sentença procedente – Recurso parcialmente provido. (TJ-SP – APL: 9297134122008826 SP 9297134-12.2008.8.26.0000, Relator: Júlio Vidal, Data de Julgamento: 13/09/2011, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/09/2011)

Da cláusula de exclusão de lucros cessantes

Uma questão ainda mais interessante refere-se à exclusão (cláusula de não indenizar) em relação aos lucros cessantes causados por culpa de uma das partes.

Os lucros cessantes estão incluídos no gênero de danos patrimonial. Dessa forma, para a validade de sua limitação, deverão ser obedecidos os mesmos requisitos aplicáveis aos danos materiais.

Como já dito anteriormente, a aceitação da referida exclusão do dever de indenizar os lucros cessantes nem sempre é acatada, não sendo possível precisar o real alcance deste tipo de cláusula quando examinada judicialmente e recaindo tal análise sobre os fatos concretos e o acervo probatório no âmbito do processo judicial.

Sobre o tema, há decisão favorável à aplicação da cláusula de não indenizar:

"Ação de ressarcimento de danos- locação em "outlet" – cláusula de não indenizar a favor da locadora em caso de incêndio que causou danos à locatária – validade- apelação improvida." (Apelação 587.441-0/8 da Comarca de São Paulo, julgado no então Segundo Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo)

No referido acórdão, entendeu o então Juiz Relator da 9ª Câmara, Dr. Eros Piceli, que:

"Quer dizer que a cláusula desonera a locadora de responsabilidade em caso de sinistro, por danos sofridos pela locatária, é legítima, por não ofender norma de ordem pública, já que se trata de direito disponível e até sugerindo que, nessa hipótese, deveria o inquilino providenciado cobertura securitária, sob pena de suportar os prejuízos, como aconteceu. Do exposto, para manter-se a r. sentença, nega-se provimento ao recurso."

No Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, houve entendimento de que a cláusula de não indenizar somente é validada nas obrigações contratuais, não sendo possível sua aplicação em casos de responsabilidade aquiliana9:

Ementa: INDENIZAÇÃO – LUCROS CESSANTES – VEÍCULO – VENDA A LOCADORA – LEI 8.078/90 – INAPLICABILIDADE – DEFEITO – RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE – CLÁUSULA CONTRATUAL DE NÃO INDENIZAR – INAPLICABILIDADE. Responde pelos danos causados na demora da reparação da coisa aquele que se apresenta como se fosse o fabricante, inclusive autorizando a reparação do bem e indicando quem deveria reparar, mormente quando é de mesmo grupo econômico internacional. Não se aplica às relações entre o fabricante e locadora de veículos as normas da Lei 8.078/90. A "cláusula de não indenizar" não se aplica quando o caso é de responsabilidade aquiliana, sendo válida apenas em casos de responsabilidade contratual.

(Apelação Cível 2.0000.00.403415-1/000, Relator(a): Des.(a) Edilson Fernandes)

Conclusão

Em que pese a ausência de mais precedentes específicos sobre a matéria, sob o ponto de vista legal e doutrinário, não existe óbice jurídico que impeça a aceitação das cláusulas de limitação de responsabilidade civil, desde que seus limites sejam negociados livremente (bilateralidade), inexista de norma cogente que impeça tal limitação, haja igualdade na capacidade de negociar entre as partes e, por fim, que os valores da indenização fixados pelas cláusulas de limitação não sejam irrisórios.

Em relação à cláusula de não indenizar (exclusão do dever de indenizar os lucros cessantes), estudiosos sobre o tema, em especial Aguiar Dias, Bruno Miragem e Silvio de Salvo Venosa10, concluem que o direito brasileiro não veda a validade de cláusulas de não indenizar. Referida cláusula sujeita-se somente às mesmas condições de validade de qualquer outra estipulação contratual e não deve ofender a ordem pública ou os bons costumes.

Portanto, uma boa negociação de tais cláusulas é um dever daqueles que desejam equacionar seus riscos.

Footnotes

1 Vide nota 5, sobre a limitação do dever de indenizar imposto pela própria legislação trabalhista.

2 Isto é, a norma que se opõe à norma dispositiva ou facultativa. Norma cuja aplicação independe da vontade do destinatário.

3 Observe-se que a última parte do inciso I do art. 51 permite a limitação de responsabilidade civil nas relações de consumo, em situações justificáveis, quando o consumidor for pessoa jurídica: "Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;"

4 Tais cláusulas são de igual forma inadmissíveis nos contratos de adesão (art.424 do CC) e também nas situações em que isentam da responsabilidade de indenizar em relação ao objeto principal da prestação de serviços (ex. cláusula de não indenizar proprietários pelo furto de veículo em estacionamentos).

6 A Reforma trabalhista (lei 13.467/2017) trouxe parâmetros para a indenização por dano moral. Vide parágrafo único do art. 223-G da CLT.

7 O contraponto a este tipo de argumentação deve seguir pela linha comercial, isto é, considerado que houve bilateralidade na negociação do contrato, não há razão para não se aplicar as limitações convencionadas contratualmente.

8 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

9 O termo "aquiliana" advém da Lex Aquila foi um plebiscito aprovado entre o final do séc. III a início do séc. II a.C.. De acordo com Maria Helena Diniz, a Lex Aquilia "veio a cristalizar a ideia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente. A Lex Aquilia de damno estabeleceu as bases da responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base no estabelecimento de seu valor ("Curso de Direito Civil Brasileiro", 7.º vol., 16ª ed., Saraiva, 2002, p. 10)

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