As políticas públicas de concorrência, a serem delineadas, no Brasil, em conformidade com a Constituição Federal Brasileira (CFB) podem se materializar de duas formas: pela regulação da matéria concorrencial de um determinado setor diretamente por lei, ou pelo exercício do poder regulamentar (delegado também por lei); e pela prevenção (análise dos atos de concentração) e repressão de condutas anticompetitivas (processos administrativos), a ser implementada pela autoridade concorrencial – Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), nos termos da Lei nº 12.529/2011 (Lei Antitruste).

Encontra-se referência na doutrina nacional às expressões "regulação ativa" e "regulação passiva", e, na estrangeira, "ex-ante regulation" e "ex-post regulation", para designar essas duas formas de atuação.

A primeira se antecipa aos acontecimentos do mercado, prevendo os movimentos danosos à concorrência, que podem vir a acontecer, e a segunda ocorre quando as empresas já se encontram em vias de praticar o ato (de concentração), ou de forma corretiva, ou seja, a posteriori, quando potencial dano ao mercado decorrente da conduta anticompetitiva pode já ter ocorrido.

Além disso, é também previsto em nosso ordenamento jurídico um importante instrumento de controle (preventivo e de eficácia) do estabelecimento dessas políticas públicas pelo modelo "ex-ante", que é a advocacia da concorrência, nem tão conhecido porque ainda pouco utilizado pela autoridade concorrencial doméstica.1

Da própria descrição dos modelos em si, já é possível antever que nenhum é perfeito, isto é, capaz de conduzir a uma política pública ideal, mas pretendemos mostrar que, em determinadas circunstâncias, um pode ser mais adequado do que o outro.

Este artigo tem por objetivo questionar a propriedade e a eficiência do estabelecimento de política pública concorrencial ex-ante em mercados da "nova economia" que foram afetados pelas inovações disruptivas.

A moldura legal da concorrência no Brasil

A República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a livre iniciativa (art. 1º, IV da CFB), desde que conformada a alguns princípios, dentre os quais se destaca o da livre concorrência (art. 170, IV da CFB). Ainda no texto constitucional há a previsão de lei que "reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros" (artigo 173, parágrafo 4º), o que nos conduz à Lei Antitruste. Ela tem por objetivo precípuo dispor sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, pouco alterando a lei que a antecedeu (Lei nº 8.884/1994) no que diz respeito aos critérios de determinação da ilicitude das condutas empresariais.

A Lei Antitruste determina configurarem infração à ordem econômica os atos "sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; e (iv) exercer de forma abusiva posição dominante (artigo 36, caput).

É ainda esclarecido no parágrafo 1º do mesmo artigo que a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no item (ii) acima referido, bem como que "presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia" (parágrafo 2º também do artigo 36).

Após essa conceituação, a lei se encarrega de elencar no parágrafo 3º do artigo 36 uma série de condutas, por assim dizer, "suspeitas", alertando, entretanto, para o fato de que estas somente serão consideradas infração da ordem econômica se configurarem hipótese prevista no caput do artigo 36 e seus incisos. Note-se que a lista exemplificativa é extensa, apresentando dezenove condutas.

Pode-se dizer, assim, que o mercado doméstico conta com um detalhado arcabouço legal de proteção à concorrência, aperfeiçoado ao longo de décadas pela atuação do órgão de defesa da concorrência brasileiro.

Sabe-se, entretanto, que algumas atividades econômicas apresentam peculiaridades que podem requerer (ou justificar) regulação complementar, tais como a atividade financeira, o setor elétrico, a radiodifusão, as telecomunicações, dentre outros. Tal regulamentação geralmente visa à organização do setor e/ou ao atendimento de outros preceitos constitucionais (como, no caso da radiodifusão, à diversidade de fontes de informação), podendo, entretanto, ter natureza concorrencial. Essas situações "especiais" encorajam ou mesmo requerem uma intervenção do legislador que, então, estabelece regras para determinado segmento, tais como a determinação de compartilhamento de infraestruturas; a delimitação de um número máximo de outorgas de um determinado serviço público; a regulamentação de um monopólio natural ou a constituição de monopólios legais.

Regulação concorrencial ex-ante ou atuação da autoridade regulatória ex-post?

A priori, a regulação concorrencial ex-ante apresenta-se mais sedutora por trazer consigo a tão desejada "segurança" jurídica – os agentes são informados ab initio das "regras do jogo"; sobre se sua atuação é bem-vinda, e como ela deve se dar.

A regulação ex-ante é ainda a mais apropriada para atividades econômicas onde se identifiquem as chamadas "falhas de mercado", que prejudicariam ou até mesmo impediriam o funcionamento normal do mercado em um setor especifico.

Entretanto, com a segurança jurídica vem a rigidez, a impossibilidade de tais regras se moldarem à mudança da realidade dos fatos e, portanto, dos mercados. E é nisso que reside o perigo de tal modelo de implementação de políticas públicas em matéria concorrencial.

Esta crítica se torna tão mais verdadeira quanto mais afetado tiver sido o segmento de mercado pelas inovações disruptivas; vale dizer, quanto mais novos bens de consumo, métodos de produção e de distribuição, modelos comerciais e formas de organização empresarial inovadores relacionados a esse mercado forem criados.

Lembre-se que a ideia de que as constantes inovações que revolucionam as estruturas econômicas destroem ininterruptamente o antigo, criando o novo, vem de longa data, com a teoria da destruição criativa de Schumpeter (1883–1950), e muito se torna adequada para retratar a nova Era da Tecnologia da Informação. Tomem-se como exemplos E-bay; Uber; Airbnb; WhatsApp; fintechs; Orkut; Netflix e tantos outros novos produtos e modelos comerciais que surgiram nos últimos anos; alguns ainda pujantes e outros já superados por novos entrantes, mesmo tendo alcançado posição significativa ou de dominância no seu respectivo mercado por algum período.

Já existe o reconhecimento de que uma intervenção prematura e sem que tenham sido avaliados – de forma prévia e criteriosa – eventuais efeitos danosos das inovações disruptivas nos mercados relacionados, é desaconselhada. Representantes da autoridade concorrencial inglesa afirmam, em artigo datado de 2016, que "significant risks associated with premature, broad-brush ex-ante legislation or rule-making point towards a need to shift away from sector-specific regulation to ex-post antitrust enforcement, which is better adapted to the period we are in, with its fast-changing technology and evolving market reactions".2

Ademais, o mesmo estudo, ao se referir à proteção do consumidor – matéria que mais parece se adequar à regulamentação ex-ante –, afirma que o legislador faria escolhas equivocadas, por exemplo, ao priorizar em eventual regulação o item "segurança" em oposição à "conveniência" já que a escolha do consumidor seria inversa: "[c]onsumer themselves, however, have consistently shown a strong preference for convenience. Sometimes just one less click has been enough to cause consumers to prefer one app over another, more secure app".

Assim, resta claro que mesmo tendo por objeto matérias que seriam aparentemente mais previsíveis, a regulação ex-ante pode resultar em uma situação indesejada para o bom funcionamento do mercado e mesmo para o bem-estar do consumidor.

A atuação regulatória ex-post apoia-se no arcabouço legal da defesa da concorrência – CFB e Lei Antitruste – que orienta o órgão concorrencial no controle dos atos de concentração, bem como na sua atuação corretiva. Diferentemente da regulação ex-ante, ela regula eventuais efeitos danosos desses atos e condutas.

Desvantagens também podem ser apontadas na atuação ex-post. Se por um lado a Lei Antitruste estabelece um limite temporal máximo para a análise dos atos de concentração simples de 240 dias, é fato que existem os atos complexos, nos quais esse prazo pode ser estendido3. Da mesma forma, as investigações prévias e o próprio processo administrativo corretivo podem levar anos para chegar a um resultado final, o que na prática pode desestimular o movimento das empresas entrantes, ainda que não chegue, na maior parte das vezes, a incentivar a prática do ilícito devido às altas penalidades que poderão ser impostas.

Mecanismos de revisão da regulação "ex-ante"

A advocacia da concorrência tem um importantíssimo papel a cumprir, seja preventivamente ou com propósito corretivo. Esse pode se dar de diferentes formas, tais como: pela participação no processo legislativo; por intervenções em ações judiciais na qualidade de amicus curiae; pela promoção de eventos para a disseminação das normas concorrenciais e mesmo do funcionamento do órgão competente, para citar apenas as mais importantes.

Tal atuação se torna ainda mais relevante quando se trata de regulação de segmento afetado por tecnologias, processos ou produtos inovadores, que (normalmente com muita rapidez) tomam as posições conquistadas pelos agentes já estabelecidos.

É sabido que o processo legislativo não dispõe de aparato adequado para investigar cada segmento de mercado, a cada projeto de lei que apresente conteúdo concorrencial, o que resulta, muitas vezes, na impropriedade do texto legal, quando não pelo desconhecimento, pela vitória do lobby das forças ocultas que atuam no Congresso

Nesse sentido, é o alerta da OCDE: "[r]egulators should carefully evaluate whether the existing regulatory framework could be adapted to allow the new business model to develop. Regulators and law makers must strike a balance between promoting legitimate policy objectives (e.g. consumer protection, health, environmental and safety requirements) and adopting measures that serve only the interest of incumbents".4

No contexto de seu papel reativo, a Secretaria de Acompanhamento Econômico tem o poder/dever de atuar quando deparada com regulação ex-ante que não cumpra mais (ou nunca tenha cumprido) o propósito de viabilizar a concorrência e proporcionar o bem-estar ao consumidor naquele mercado específico.

Reconhecida, entretanto a limitação desta atuação, já que não dispõe o órgão concorrencial de poder coercitivo, torna-se imprescindível a adoção de outros mecanismos que possibilitem a periódica "calibragem" de regulação estabelecida "ex-ante". Um exemplo é o estabelecimento de prazo de vigência na própria lei que a cria, utilizado nos Estados Unidos no caso da proibição de propriedade cruzada entre empresas que atuem nas mídias tradicionais – jornais (newspaper), concessionárias do serviço de radiodifusão (broadcast) e rádios.

O órgão regulador do setor de mídia e telecomunicações daquele país – Federal Communications Commission (FCC) – tem o dever/poder de revisar tal vedação a cada quatro anos de modo a verificar se a regra é necessária tendo em vista o interesse público, devendo revogá-la ou modificá-la, caso não o seja.

A última revisão ocorreu no ano passado e a vedação foi mantida por três votos contra dois. O interessante a este respeito é o mecanismo criado para que não haja normas restringindo o mercado desnecessariamente. Observe-se que neste caso a norma tem natureza não só concorrencial, mas também, da mesma forma que no caso brasileiro, objetiva o atendimento ao interesse público da diversidade de fontes de informação.

A discussão do caso entre os conselheiros do FCC foi acirrada e mostra como é difícil a obtenção de um consenso entre os próprios reguladores setoriais acerca do que é o melhor para o mercado, o que fica claro no seguinte trecho do voto do conselheiro Michael O'rielly:

"Social media giants, online news sites, over-the-top video content, traditional pay TV, and many other media sources are eating away at the audiences of broadcasters and newspapers by the day. Congress anticipated this type of upheaval in the dynamic media environment, and designed the Quadrennial Review requirement to address it by forcing us to adjust our media ownership rules in response. However, it seems that to my colleagues, all evidence of the myriad new challenges to the past dominance of newspapers and broadcasters serves merely as fodder for interesting gee-whiz anecdotes to be trotted out, never as a prompt for any responsive action by the Commission."5

Conclusão

Resta evidente que a decisão de implementação de uma regulação concorrencial ex-ante só deve ser realizada se precedida de um amplo estudo do segmento do mercado a ser regulado. Tal estudo deve ter por objetivo a certificação de que há, de fato, uma falha de mercado a ser corrigida e, neste caso, quais medidas seriam capazes de efetivamente proporcionar uma melhora da concorrência naquele segmento, considerando tanto as eficiências estáticas quanto as dinâmicas.

Além disso, a regulação "ex-ante" deve ter caráter excepcional, especialmente em jurisdições que não se utilizam de mecanismos de debate prévio e revisão contínua quanto ao atendimento do interesse público pelas normas promulgadas. Tal modelo é ainda menos apropriado quando se trata de mercados tendentes à mutação pela interferência das inovações disruptivas.

Caso esse tenha sido o modelo de regulação (equivocadamente) escolhido, é preciso que se reconheça a alta probabilidade de tal modelo nascer inadequado ou de assim se tornar em curto espaço de tempo. Por esse motivo, as autoridades antitruste devem imediatamente lançar mão do seu poder/dever e praticar a advocacia da concorrência com vistas a alertar o órgão governamental envolvido sobre o equívoco, além de auxiliá-lo na sua correção com vistas a ajustar aquele mercado, viabilizando, assim, uma concorrência saudável, capaz de gerar o bem-estar do consumidor6.

A importância desta atuação é reconhecida pela OCDE, quando afirma: "[b]ecause of the challenges in the application of the traditional competition law toolbox and the cross-border nature of many innovative disruptions, the advocacy activity of competition authorities plays a very important role".7

A discussão da matéria tratada neste artigo é ainda incipiente, mesmo na doutrina estrangeira. Assim como as inovações disruptivas, a vanguarda na apresentação de opiniões jurídicas traz consigo algum risco quanto ao impacto que causará nos seus "mercados". Mas só por isso já vale a pena, pois já foi dito que "inovação gera inovação"; é sempre um passo à frente que é dado, e manter este ciclo em movimento já é uma grande contribuição.

Footnotes

[1] Curioso verificar que a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, a própria autoridade competente para promover a advocacia da concorrência, atribui-se papel menor do que a Lei Antitruste ao afirmar na página de abertura do link "Advocacia da Concorrência" que "[c]omo vem definindo a International Competition Network ("ICN"), a advocacia da concorrência é a atividade de cunho preventivo e não coercitivo que visa promover um ambiente econômico competitivo" (grifo nosso), não obstante competências de caráter corretivo (a posteriori) também sejam previstas nos incisos VI e VIII do artigo 19 da lei. http://seae.fazenda.gov.br/assuntos/advocacia-da-concorrencia.

[2] Alex Chisholm & Nelson Jung, respectivamente, CEO e Director do Mergers Group da "Competition and Markets Authority", https://www.competitionpolicyinternational.com/wp-content/uploads/2016/03/Platform-regulation.pdf

[3] Artigo 88, parágrafo 2º e artigo 56, parágrafo único.

[4] Relatório da audiência sobre "Disruptive Innovation" promovida pelo Competition Committee da OCDE em 16 de junho de 2015. https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/M(2015)1/ANN8/FINAL/en/pdf

[5] https://apps.fcc.gov/edocs_public/attachmatch/FCC-16-107A1.pdf

[6] Ar. 19. Compete à Secretaria de Acompanhamento Econômico promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade cabendo-lhe, especialmente, o seguinte: [...]

VIII – encaminhar ao órgão competente representação para que este, a seu critério, adote as medidas legais cabíveis, sempre que for identificado ato normativo que tenha caráter anticompetitivo.

[7] Relatório citado na NR n. 5.

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