STF JULGARÁ SE EXIGÊNCIA DE ESGOTAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS É INCONSTITUCIONAL EM CRIMES FORMAIS

O Supremo Tribunal Federal ("STF") pautou para 30 de junho de 2021 o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4980, que busca discutir a inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996. Referido artigo prevê que a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária, previstos nos artigos 1º e 2º, da Lei nº 8.137/1990, e aos crimes contra a previdência social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, será encaminhada ao Ministério Público somente depois de proferida decisão final na esfera administrativa sobre a exigência fiscal do crédito tributário.

Dentre os argumentos trazidos pelo então Procurador-Geral da República ("PGR"), Roberto Gurgel, autor da ação, para fundamentar a inconstitucionalidade do artigo, está o fato de que a nova redação, inicialmente dada pela Medida Provisória nº 497/2010, careceria dos requisitos de urgência e relevância, fundamentais para a edição de uma medida provisória, de acordo com o artigo 62 da Constituição Federal.

No mesmo sentido, o PGR sustentou que, ainda que a Lei nº 12.350/2010 tenha dado redação definitiva ao referido artigo, não se poderia convalidar a inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 497/2010, ressaltando que a Constituição Federal veda a disposição sobre matérias criminais por meio de medidas provisórias, como foi o caso do artigo 83.

Além disso, de acordo com o PGR, a real pretensão da redação do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996 seria garantir a existência de lesão ao fisco e a consequente materialidade do crime por meio do não pagamento do crédito tributário definitivamente lançado.

Assim, asseverou que, dentre os crimes trazidos pela redação do artigo questionado, apenas os crimes de sonegação tributária (artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90) e de sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A, do Código Penal) seriam de resultado, ou seja, dependem da efetiva supressão ou redução do tributo.

Por outro lado, os crimes previstos no artigo 2º, da Lei nº 8.137/90, e no artigo 168-A, do Código Penal não dependeriam de um procedimento administrativo-fiscal para verificar sua incidência, uma vez que, por serem meramente formais, não exigem o resultado lesivo ao fisco, consubstanciado na referida supressão ou redução do valor do tributo.

Assim, sustenta o PGR que a exigência do esgotamento do procedimento administrativo para fins de comunicação de um crime que não depende da verificação de lesão ao fisco contribuiria para a impunidade e para ausência de proteção do bem jurídico tutelado: a ordem tributária.

Apesar dos importantes argumentos expostos pelo PGR, não é certo que o procedimento administrativo-fiscal tenha o condão único de verificar o resultado lesivo dos crimes de sonegação tributária e previdenciária. Não é incomum que os procedimentos administrativos-fiscais busquem apurar a própria irregularidade do fato gerador e do ato supostamente ilícito, antes do valor de eventual crédito tributário.

Dessa forma, o esgotamento do procedimento administrativo-fiscal ainda se demonstraria de extrema importância para a verificação dos indícios mínimos do cometimento de todos os mencionados crimes tributários ou previdenciários, o que autorizaria o envio da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público.

Por fim, caso a ação seja declarada procedente, é possível que venha a ocorrer um aumento considerável de processos criminais no Brasil para apuração de ilícitos tributários, mesmo durante a apuração do próprio ilícito tributário, na esfera administrativa. Isso pode, sem dúvidas, gerar incongruência na aplicação das leis nas diferenciadas esferas administrativa e judicial.

STF JULGARÁ CONSTITUCIONALIDADE DO ACORDO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICO-PENAL ENTRE BRASIL E EUA

O Supremo Tribunal Federal ("STF") pautou para 14 de abril de 2021 o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 51, que busca discutir a constitucionalidade (a) do Decreto Executivo Federal nº 3.810/2001, que promulgou o Acordo de Assistência Jurídico-Penal entre o Brasil e os Estados Unidos da América - também conhecido como Mutual Legal Assistance Treaty - ("MLAT"), bem como (b) dos artigos 237, inciso II, do Código de Processo Civil, 780 e 783, ambos do Código de Processo Penal, que versam conjuntamente sobre Carta Rogatória, instrumento de cooperação jurídica internacional do Brasil com autoridades estrangeiras.

Na petição inicial, a Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação ("Assespro Nacional") sustenta que são muitos os tribunais brasileiros que afastam a aplicabilidade do MLAT e da Carta Rogatória, entendendo não serem a via processual cabível para a obtenção do conteúdo de comunicações privadas sob controle de provedor de aplicações de internet estabelecido fora do território nacional. Isso porque a não entrega desses dados no Brasil de forma direta por meio de empresa domiciliada em território nacional que presta serviços acessórios (afiliada) à provedora do aplicativo situada em território estrangeiro (empresa principal) afrontaria a soberania nacional brasileira e o próprio Poder Judiciário.

A esse respeito, a Assespro Nacional sustentou que as aplicações de internet podem ser oferecidas e operadas por empresas estrangeiras, com ou sem presença físico/registral no Brasil e, a depender do modelo de negócios e das operações adotados por um provedor de aplicação estrangeiro, somente ele poderia ser destinatário de ordem judicial brasileira para a disponibilização dos referidos dados.

Ademais, outro argumento levantado é que não há obrigação legal para que os dados de aplicações comercializadas no Brasil estejam localizados em território nacional. Assim, se um controlador de dados (provedor) estiver sob jurisdição de outro Estado soberano que proíbe o envio direto de dados às autoridades estrangeiras, não há outra saída senão recorrer ao MLAT e à Carta Rogatória, previstos na legislação nacional.

É importante salientar que o julgamento da referida ação pode trazer importantes consequências para o Judiciário brasileiro e para as empresas de tecnologia e internet sediadas em outro país. É constante a imposição de altas multas às empresas afiliadas por não fornecerem dados solicitados que apenas a empresa principal, sediada em outro país e submetida à legislação estrangeira, tem condições de fornecer.

Por fim, caso se decida pela constitucionalidade do MLAT e dos dispositivos que regem a Carta Rogatória, é bem possível que se passe a discutir a respeito da ilicitude de provas e informações obtidas diretamente com provedores estrangeiros, em inobservância da legislação brasileira.

TRF-3 DECIDE TRANCAR AÇÃO PENAL BASEADA EXCLUSIVAMENTE NA PALAVRA DO DELATOR

No dia 15 de dezembro de 2020, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região ("TRF-3"), no julgamento de Habeas Corpus, decidiu trancar uma Ação Penal em razão da denúncia ter sido baseada e recebida única e exclusivamente no depoimento de um corréu delator, que firmou acordo de delação premiada.

No caso concreto, estava-se apurando a suposta prática de crime de corrupção ativa, prevista no artigo 333, do Código Penal, por indivíduo que integraria esquema de corrupção nas obras de Metrô de São Paulo entre os anos de 2004 e 2014, enquanto desdobramento da Operação Lava Jato.

No julgamento, os Desembargadores Federais entenderam que, apesar da denúncia conter circunstâncias e indícios de autoria do indivíduo, não havia indícios suficientes de materialidade que autorizassem o recebimento da denúncia. Isso porque, por mais que o corréu delator tenha apresentado comprovantes do pagamento da vantagem indevida ao servidor público, não ficou claro que o indivíduo delatado tenha coordenado, instruído ou se comunicado com o corréu para a prática do crime.
Dessa forma, tendo em vista que as delações não resultaram na coleta de outras provas, não se poderia receber a denúncia em face do indivíduo delatado por ausência de justa causa da ação.

É importante frisar, e esse foi um dos argumentos suscitados no julgamento, que com o advento da lei 13.964/2019 - também conhecido como "Pacote Anticrime" - foi estabelecido no artigo 4º, §16 da Lei nº 12.850/13 - também conhecida como "Lei das Organizações Criminosas" - que a denúncia, em casos de delação premiada, não pode ser recebida com fundamento apenas nas declarações do colaborador. A esse respeito, é preciso que existam elementos adicionais que corroborem a palavra do delator, já que a delação em si é considerada apenas um meio de obtenção de provas. Tal entendimento, inclusive, já foi respaldado pelo Supremo Tribunal Federal ("STF") (Inq 3994/DF).

Por fim, a decisão do TRF-3 indica uma solidificação do entendimento do STF no sentido de que, por mais que o acordo de delação premiada seja um instrumento importante para a investigação e a punição de crimes, ele não pode por si só substituir a investigação criminal e a busca por provas por parte da autoridade policial e do Ministério Público. Caso contrário, estaríamos diante de um arbítrio estatal e de possíveis equívocos judiciais.

STF DECIDIRÁ SOBRE A POSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

O plenário do Supremo Tribunal Federal ("STF") julgará se é possível a celebração do acordo de não persecução penal ("ANPP") após o recebimento da denúncia. No caso concreto, o Ministro Gilmar Mendes decidiu encaminhar ao plenário do STF o julgamento de Habeas Corpus que pleiteava, dentre outras coisas, a possibilidade de celebração do ANPP mesmo após iniciada instrução criminal.

Tal questão tem sido muito discutida pelos tribunais brasileiros e pela doutrina. Isso porque, na redação da Lei nº 13.964/2019 - também conhecida como "Lei Anticrime", não houve qualquer disposição sobre uma regra de transição, de modo que remanesce a dúvida se é possível retroagir os efeitos do ANPP para os casos em que já foi recebida a denúncia e que estão verificados os requisitos para a sua propositura.

Na decisão monocrática, o Ministro Gilmar Mendes fundamentou sua tese com base no artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal, nos seguintes termos: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Por meio desse mesmo artigo, algumas questões a serem definidas foram colocadas em pauta pelo Ministro, como por exemplo, (a) a possibilidade de aplicação do ANPP a processos em curso antes da Lei Anticrime, (b) a natureza da norma que instituiu o benefício, e (c) a possibilidade de oferecimento do ANPP mesmo em casos que o investigado não tenha confessado o delito.

Por ser de tamanha relevância as questões levantadas, entendeu-se que o caso deveria ser objeto de julgamento pelo pleno. A título de exemplo, no Superior Tribunal de Justiça, a Quinta Turma e a Sexta Turma têm condutas diferentes quanto ao ANPP: enquanto a Quinta Turma entende que a aplicação do acordo só é possível até o recebimento da denúncia, a Sexta Turma tem considerado a aplicação para processos em curso até o trânsito em julgado.

Por fim, caso o STF entenda possível a celebração retroativa do ANPP, espera-se uma redução considerável de processos criminais em trâmite, o que colaborará, assim, para a redução de gastos públicos, com maior foco na apuração de crimes graves, bem como a diminuição da população carcerária brasileira, uma das maiores do mundo.

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